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04-2023

Acervo de Claudia Andujar será preservado e difundido pelo IMS

Fotógrafa de origem suíça radicada no Brasil desde 1955, Claudia Andujar dedicou sua vida e obra ao povo Yanomami, em um ativismo abnegado em uma época que a palavra raramente era usada. Com isso, construiu um vasto acervo, com esse e outros temas, que documenta uma parte da história recente do Brasil. Esse material será incorporado ao conjunto de acervos preservados pelo Instituto Moreira Salles (IMS).

Menina da etnia Yanomami nada em rio da Amazônia (1972-1974) – Claudia Andujar/Acervo IMS

O conjunto tem mais de 40 mil fotogramas, além de documentos e publicações, entre outros itens. Grande parte das fotografias foram feitas na Terra Indígena Yanomami nas décadas de 1970 e 1980, antes de sua demarcação, que ocorreu apenas em 1992. O acervo inclui também fotos realizadas entre os anos 1950 e 1970, período em que a Claudia documentou o Brasil e outros países da América Latina e trabalhou para revistas importantes, como a extinta “Realidade”.

Duas meninas da etnia Yanomami com um mutum, cujas penas são usadas para emplumar flechas (1974) – Claudia Andujar/Acervo IMS

Thyago Nogueira, coordenador do Departamento de Fotografia Contemporânea do IMS. Comemora a chegada do acervo por considerar Claudia Andujar é uma das maiores artistas brasileiras vivas e com uma contribuição inestimável à história política e social do País. “Seu arquivo é um capítulo inteiro da história da fotografia brasileira. Sua parceria com o líder e xamã Davi Kopenawa e sua colaboração ampla com o povo Yanomami, seja na produção artística, nas campanhas de vacinação ou na demarcação da terra indígena, são exemplares e admiráveis, com efeitos duradouros”. Para Nogueira, ela deu um sentido profundo à sua fotografia ao construir seu trabalho a partir de uma postura ética inegociável. Ao longo da vida, sua arte se transformou em uma plataforma para o povo Yanomami, também responsável por pensar e difundir essas imagens.

Casa coletiva em aldeia Yanomami perto do Rio Catrimani, Roraima (1976, com filme infravermelho) – Claudia Andujar/Acervo IMS

Claudia Andujar nasceu Claudine Haas em Neuchâtel, Suíça, em 12 de junho de 1931 e cresceu na região da Transilvânia, na Romênia. Sua família paterna, de origem judaica, foi morta nos campos de concentração de Auschwitz e Dachau. Para escapar da perseguição, fugiu para os Estados Unidos e depois para o Brasil, em 1955. Aqui, começou a fotografar e construiu uma carreira no fotojornalismo.

Convidado enfeitado para festa com penugem de gavião, Catrimani, Roraima (1974) – Claudia Andujar/Acervo IMS

Nos anos em que viveu nos EUA, ela conheceu Julio Andujar, refugiado da Guerra Civil Espanhola, com quem se casou aos 18 anos de idade. Mas, poucos meses depois do casamento, Julio se apresentou como voluntário para ir à Guerra da Coreia (1950-1953), esperando ser recompensado com a cidadania americana. Ele ficou três anos em combate e Claudia não o perdoou, e logo que ele voltou houve a separação. Nessa época, Claudine se tornou Claudia, mantendo o sobrenome do primeiro marido.

Os Yanomami costumam incendiar suas casas coletivas quando se mudam, fogem de uma epidemia ou um importante líder morre (1976, com filme infravermelho) – Claudia Andujar/Acervo IMS

Em 1971, registrou os Yanomami pela primeira vez. O encontro mudou a vida da artista, que voltou inúmeras vezes ao território para fotografar aquela cultura, ainda relativamente isolada. A partir de então, dedicou sua carreira a documentar o território e a lutar, junto a lideranças indígenas e ativistas, pela demarcação do território, homologada pelo Estado brasileiro em 1992.

Autorretrato com um menino da etnia Yanomami, Catrimani (1974) – Claudia Andujar/Acervo IMS

O acervo inclui itens relacionados a toda a carreira de Claudia. Entre as imagens produzidas antes do seu engajamento na causa indígena, é possível destacar as reportagens que realizou para a revista “Realidade”, uma das principais publicações da Editora Abril no período de 1966 a 1971. Para a revista, registrou temas como a intensa atividade de uma parteira na pacata cidade de Bento Gonçalves (RS); a situação dos pacientes do Hospital Psiquiátrico do Juqueri; e a deportação de migrantes desempregados pelo estado de São Paulo. Há ainda ensaios experimentais que desenvolveu em São Paulo a partir de seu interesse pela cidade e pela alma feminina, como as séries “Rua Direita” e “A Sônia”.

Maior parte do conjunto, as fotos produzidas no território Yanomami, localizado nos estados de Roraima e Amazonas, foram feitas entre os anos 1970 e 1980. Nas imagens das primeiras viagens à região, Claudia documenta as atividades diárias dos indígenas na floresta e nas malocas, além dos rituais xamânicos. Um dos conjuntos mais importantes do período é o registro das festas “reahu”, cerimônias funerárias e de aliança entre comunidades.

Conforme passava mais tempo na floresta, a fotógrafa modificava sua perspectiva e seu trabalho, distanciando-se do fotojornalismo e se aproximando do universo indígena, como avalia Thyago Nogueira: “Ao interpretar a sociedade Yanomami com imagens, e não palavras, como faziam a antropologia e o jornalismo, Andujar oferecia uma nova camada de significados”.

Outro destaque do acervo são os documentos que mostram o ativismo dela e de diversas lideranças pela criação da reserva indígena. Em 1977, a fotógrafa foi expulsa pela Funai e impedida de voltar à área. Diante dos avanços depredatórios promovidos pelo governo militar, Claudia, o missionário Carlo Zacquini e o antropólogo Bruce Albert, entre outros ativistas, fundaram em 1978 a Comissão pela Criação do Parque Yanomami (CCPY). Durante os 13 anos seguintes, a CCPY atuou ativamente na luta pela demarcação, homologada em 1992. O material que chega ao IMS traz manifestos e relatórios da CCPY, matérias de imprensa nacional e internacional que denunciam a devastação do território e registros das campanhas de vacinação realizadas na região, cujas fotos depois se transformaram na famosa série “Marcados”, entre outros itens.

Sobre sua produção e ativismo, Claudia Andujar afirma, em texto publicado no catálogo da exposição A luta Yanomami: “Estou ligada aos povos indígenas, à terra, à luta primária. Tudo isso me comove profundamente. Tudo parece essencial. Sempre procurei a resposta à razão da vida nessa essencialidade. E fui levada para lá, na mata amazônica, por isso. Foi instintivo. À procura de me encontrar.”

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