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12-2016

A restauração das cores do passado

Olhar Global   /  

Por Gabrielle Winandy

É interessante ver uma foto histórica do imperador D. Pedro II (1825-1891) com seus profundos olhos azuis-claros. Ou do chefe Sioux Red Hawk, retratado originalmente em sépia por Edward Curtis em 1905, cercado por uma planície verde em Dakota do Sul, nos EUA. Isso é possível graças ao americano Dana Keller, de 27 anos, um craque na colorização de imagens monocromáticas do final do século 19 e início do século 20.

Keller explica que, embora a fotografia exista desde 1827, foi somente em 1907 que o filme colorido passou a ser comercializado (pelos irmãos Lumière, os mesmos que inventaram o cinema). Desde essa época, fotografar em cores ou em P&B passou a ser uma questão de escolha estética ou financeira (e o filme P&B foi por muito tempo bem mais barato). Talvez por isso tenha demorado algumas décadas até o filme colorido se tornar popular, o que ocorreu a partir de 1942 com o lançamento do filme negativo colorido Kodacolor, da Kodak. Até então, grandes momentos da história universal eram vistos em ampliações feitas em P&B ou sépia.

O especialista americano diz que a colorização, feita corretamente, pode ajudar as pessoas a se conectar com a história, pois podem torná-la mais próxima, imediata e relevante. Formado em Ciência da Arquivologia (ou seja, é especializado em preservar documentos e fotografias atuais para futuras gerações), Keller admite que colorizar imagens antigas nem sempre é bem aceito entre os profissionais do seu meio. “Alguns veem o que faço como uma violação deliberada de registros originais. Aprecio uma controvérsia interessante, mas entendo o que faço como uma forma de respeito e reverência à história. A colorização não é para substituir ou melhorar a versão em P&B ou sépia, e sim para apresentar uma nova perspectiva ao observador”, defende-se.

Hobby certo

Keller começou a pensar em colorização quando estava na faculdade fazendo uma especialização em arte e viu o trabalho de um artista que tinha colorizado algumas fotos. “Para mim, aquelas imagens colorizadas com muito cuidado e atenção não pareciam reais, e sim pinturas. Sendo um estudante de arte na época, e tendo alguns conhecimentos em fotografia, me perguntei se conseguiria colorizar fotografias de forma realística”, lembra.

Começou a fazer algumas tentativas no Photoshop, programa que usa até hoje, e amigos começaram a notar. Logo ele passou a cobrar para colorizar fotos de família, e, no tempo livre, trabalhava com importantes imagens antigas que já estavam em domínio público. Hoje, a colorização é sua principal fonte de renda. Até as fotos P&B de domínio público lhe rendem algo de vez em quando nas ocasiões em que licencia as imagens colorizadas para uso comercial.

Dana Keller cobra um mínimo de US$ 145 para colorizar fotos P&B. “O valor varia, pois depende da qualidade e da complexidade da foto, e se é necessário algum trabalho restaurativo”, informa. O tempo do trabalho também é relativo. Se tem poucos detalhes, em cerca de duas horas está feito. Se a imagem tem muitos elementos ou detalhes, pode demorar dias para ser colorizada.

Vida em cores

Para quem vê o trabalho pronto, a maior questão é em relação às cores: como Keller sabe quais são as tonalidades certas para cada elemento da foto? Esse, sem dúvida, é o maior desafio da profissão.

Ele afirma que não escolhe as cores aleatoriamente. Há muita pesquisa envolvida. “Não há nenhuma informação referente às cores originais em uma foto P&B, portanto é extremamente importante que seja feito um estudo contextual das cores da época”, comenta. Isso significa tentar descobrir a cor do cabelo do personagem retratado, por exemplo, por meio de outros registros, como livros (no caso de personagens famosos como o presidente Abraham Lincoln) ou que cor de casaco era mais frequente quando a foto foi feita. “Mesmo com a pesquisa, você só pode ter certeza até certo ponto. Depois disso, uso uma licença artística”, diz.

Outra dificuldade que Keller frequentemente enfrenta é quando a foto não tem definição suficiente (e, nesse caso, não dá para mexer) ou quando a foto tem uma variação mínima de tons de cinza, algo prejudicial para aplicar cores realistas. “Imagens em P&B são feitas com preocupações diferentes de quando o registro é em cores, normalmente com contraste ou exposição excessivos para permitir uma colorização coerente”, relata Keller.

Direitos autorais

Imagens cujos direitos autorais não estão ainda em domínio público são proibidas, a menos que a colorização seja solicitada diretamente pelo dono dos direitos autorais da foto. Já as que estão em domínio público ele consegue pelo acervo do site da Wikipedia ou da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. Estas são escolhidas por motivos de entretenimento pessoal.

“Gosto de escolher imagens que me tragam dúvidas: como essa representação histórica seria se a foto fosse feita hoje? E como o fotógrafo a viu no momento em que a fez?”, comenta. E atualmente o trabalho dele já está tão popular nas redes sociais que frequentemente nem é Keller que pensa em uma nova foto: fãs sugerem imagens, que muitas vezes ele não conhece. “Quando isso ocorre, descubro novos personagens e eventos da história do mundo, e crio uma versão vívida e colorida que de outra forma talvez as pessoas jamais conhecessem”, diz.

Dana Keller, que nasceu e vive em Boston (Massachusetts), também tem seus dias de fotógrafo. Desde o colegial ele fotografa esporadicamente. “Cheguei a fotografar casamentos e paisagens por um tempo, mas agora passo mais tempo sentado diante do computador editando e colorizando”, afirma. Isso o influencia no sentido de que, conhecendo os aspectos técnicos da fotografia, consegue ter alguma ideia de como as cores eram registradas na época em que P&B era a única opção – para ver mais fotos do portfólio dele, acesse www.danarkeller.com.

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