04-2019
Um olhar para além da zona de conforto
Por Mário Fittipaldi
Quando começou a fotografar, Miguel Costa Junior tinha uma única certeza: queria se especializar em esportes a motor. Hoje consagrado na área, também volta seus olhos acostumados a registrar carros a mais de 250 km/h para algo bem parado, arquitetura e paisagem. Já Fabio Colombini, que se notabilizou por imagens de natureza, tem formação em Arquitetura e usa seus conhecimentos para clicar a arte sacra de santuários, como a documentação do Santuário de Aparecida. Luciana Cattani, por sua vez, se especializou em casamentos e eventos, mas tem um extenso trabalho autoral de documentação de festas folclóricas e religiosas brasileiras. E Jonne Roriz fez fama na área esportiva, mas tem um lado menos conhecido, clicando indústrias para o mercado corporativo, além de fazer documentários e reportagens diversas com imagens subaquáticas.
Seja por diletantismo ou oportunidade de trabalho, o que une esses quatro profissionais é o fato de que nenhum deles se prende ao segmento que os tornou conhecidos, desenvolvendo também trabalhos paralelos ou projetos pessoais. E os quatro são unânimes em afirmar, cada um a seu modo, essa fuga da zona de conforto para exercer a diversidade só tem a agregar qualidade ao ato de fotografar, qualquer que seja o segmento.
Olhos de tele
Miguel Costa Junior é um dos principais nomes da fotografia de esportes a motor no Brasil. Cobriu diversas provas do mundial de Fórmula 1 e de Fórmula Indy nos Estados Unidos. Também acompanhou as carreiras de pilotos como Nelson Piquet e Ayrton Senna, só para ficar nos mais famosos. Fora das pistas, dedica-se a registrar arquitetura e paisagens. As cenas vão surgindo quando ele anda a pé ou de transporte público pelas cidades onde passa, identificando, mesmo de muito longe, detalhes ou recortes na paisagem urbana. “Fotografar automobilismo me deu rapidez no olhar. E, de tanto usar teles para fotografar carros, aprendi a isolar o detalhe do todo”, justifica.
Seu projeto Fragmentos de Arquitetura trata justamente disso: detalhes inusitados, composições geométricas, linhas paralelas e outras figuras que encontra nas edificações por onde passa. Muitas vezes explora reflexos distorcidos e, não raro, trata suas imagens para obter efeitos especiais coloridos. “Sou muito ligado no desenho das coisas, independentemente do que estou fotografando”, explica Costa Junior, que tem formação em Artes Plásticas e é fascinado por arquitetura. O trabalho paralelo rendeu uma exposição individual em 2017 no Espaço Mestiço, em São Paulo (SP), e suas fotos estão em exposição nas galerias online Blombô e Online Quadros.
Ele diz que sempre tentou criar uma linguagem diferenciada para suas imagens. Quando fotografa corridas, procura sempre explorar o movimento. “Uso muito a técnica do panning, do fundo borrado, mas desenvolver outros trabalhos mais plásticos também me ajudou a criar imagens de automobilismo mais artísticas, que exploram a beleza da composição”, afirma. Segundo ele, ocorre uma espécie de simbiose entre tudo o que fotografa: “Uma coisa ajuda a outra”, afirma.
Bichos e arte sacra
Com 30 anos de experiência em fotografia de natureza e vida selvagem, e mais de uma dezena de livros publicados, Fabio Colombini vem se dedicando, nos últimos anos, a documentar arte sacra. No entanto, ele diz que não se trata propriamente de sair da zona de conforto, até porque sua especialidade não é exatamente confortável. “O ambiente é muito exigente, pelas condições difíceis que impõe ao fotógrafo e, especialmente, na questão de tornar isso um meio de vida”, observa. Ele conta que o que o leva a outros caminhos da fotografia é a busca pela beleza. “Não a beleza puramente estética, mas em um sentido mais profundo, espiritual, como sendo a busca pela coisa mais verdadeira e positiva”, explica.
Essa procura o levou ao Santuário de Aparecida (SP) – mais especificamente, ao artista sacro Claudio Pastro, responsável por todo o projeto artístico da basílica. Ele conta que se identificou com o trabalho dele, pois viu nas obras a mesma espiritualidade que vê na natureza. “A arte de Pastro é como uma janela, transcende a estética e leva o observador a uma dimensão espiritual, a dimensão de Deus”, analisa. Ao se conhecerem, o artista também se identificou com o trabalho de Colombini e o convidou a fazer um documentário sobre a arte do Santuário. O resultado pode ser conferido no livro Santuário de Aparecida (Ed. Santuário, 2017).
O fotógrafo explica que houve uma sinergia muito grande entre eles. “Quando conheci Pastro, ele ainda estava desenvolvendo trabalhos para o Santuário, algo que durou 15 anos”, lembra. Isso permitiu que o artista usasse as fotos de Colombini como inspiração para os mosaicos das colunas do baldaquino, que reproduzem os principais biomas brasileiros – o Cerrado, a Mata Atlântica, a Amazônia e a Caatinga –, e a cúpula central, que tem mais de 2 mil metros quadrados de área. “Foi surpreendente, ele levou a minha experiência de sentir a presença de Deus por meio da natureza para dentro do Santuário. Refotografar as minhas fotos transformadas em arte sacra foi como um círculo se fechando”, emociona-se.
Casamento e folclore
Luciana Cattani gosta de dizer que é uma fotógrafa que também faz casamentos e eventos. Isso porque, durante toda a carreira, jamais deixou de tocar projetos autorais. No começo da vida profissional, fez de tudo um pouco, entre still, publicidade e eventos. Fez até um workshop de Fotografia de Natureza com Araquém Alcântara.“Percebi que aquilo não era para mim quando vi que eu gostava mais era da situação de estar todo mundo reunido em um lugar maravilhoso. Acabei fazendo mais fotos das pessoas do que da natureza”, lembra.
A paixão por fotografia de festas populares e folclore começou quando participou de um workshop com o mestre Walter Firmo no início dos anos 2000. O curso incluía viagens pelo interior do Brasil para documentar festas folclóricas e fazer estudos sobre a cor. “Depois, meu marido Gabriel Boieras e eu não paramos mais de viajar e de fotografar”, ela diz. Foram inúmeras festas como a do Divino, quando ocorrem as Cavalhadas em Pirenópolis (GO), a Festa de Iemanjá, em Salvador (BA), O Círio de Nazaré, em Belém (PA), e muitas outras. O resultado está publicado em três livros – Festas Populares (Coleção Maravilhas do Brasil, Ed. Escrituras, 2006), Festas Populares Brasileiras (Ed. Manole, 2006) e Brasil em Festas (2013).
Luciana garante que documentar festas fez com que ela passasse a trabalhar aspectos como o movimento, ângulos diferenciados, a rapidez e a capacidade de improviso, técnicas que acabou levando para a fotografia de casamento. “Faço parte de uma geração que começou a desconstruir aquele padrão certinho, posado, da fotografia de casamento, e as festas populares me ajudaram muito a criar uma linguagem mais livre e criativa para as cerimônias”, lembra. Por outro lado, a experiência com os casamentos fez com que ela passasse a trabalhar melhor o elemento humano. “Ajudou com as alegorias, além da questão da direção para as fotos posadas”, observa.
Histórias visuais
Jonne Roriz fez fama por coberturas de eventos esportivos, tendo no currículo coberturas das Olimpíadas de Atenas (2004), Pequim (2008), Londres (2012) e Brasil (2016) e das Copas do Mundo da Alemanha (2006) e da África do Sul (2010). Mas aponta que a experiência que acumulou ao longo de 20 anos de fotojornalismo o faz se sentir à vontade para fotografar em qualquer situação. “Cobri de tudo um pouco, de retratos a terremotos, o que me ajudou a treinar o olhar”, diz ele. Assim, transita com facilidade por outros segmentos, como a fotografia industrial. “Adoro fazer esse tipo de foto. Gosto de focar na parte externa das grandes empresas, sempre contando uma história em cada trabalho, e essa experiência vem do fotojornalismo”, explica.
Ele ressalva, no entanto, que o que mais o faz se sentir fora da sua zona de conforto é a fotografia subaquática. “Especialmente por ser um tipo de trabalho que envolve risco de morrer”, diz. Ele afirma que vem mergulhando cada vez mais em condições adversas para se aprimorar, pois tem agentes no mundo inteiro que, cada vez mais, o contratam para trabalhos perigosos. No ano passado, por exemplo, foi chamado para documentar um santuário de tubarões nas Filipinas. “Mergulhei com uma equipe superexperiente, mas eles queriam meu olhar diferenciado para esse trabalho”, informa.
Roriz diz que seu maior trunfo é procurar fazer as coisas de maneira diferente, inusitada. “Minha moeda é meu olhar”, acredita. Frequentemente, usa equipamentos e lentes que normalmente não seriam pensados para determinada situação. “Tenho cada vez mais usado lentes fixas. Aprendi a ter a segurança no meu olhar para a lente que escolhi. Se as condições mudam, me adapto”, garante. Ele afirma que em fotojornalismo muitas vezes não se busca a foto perfeita, mas sim a foto necessária, a qualquer custo. “A diferença é que agora quero trazer essa foto com requinte”, comenta. E você, já pensou em sair da sua zona de conforto?