04-2019
Um olhar lúdico sobre a nudez das ninfas catarinenses
Por Sérgio Branco
Elas não são modelos profissionais. São mulheres que têm uma forma mais avançada de entender o próprio corpo, curtem a natureza e encaram o fato de posar nuas como algo também natural, sem culpa ou demonstração de rebeldia. A missão de retratá-las cabe ao catarinense Ricardo Zanetta, criador do projeto Floresta Nua-Natureza in Corpo, que as vê como ninfas, as fadas sem asas da mitologia grega, ligadas aos campos, bosques, lagos, rios e outros ambientes naturais. E ele as fotografa com um olhar lúdico, sem conotação sexualista. É possível perceber a leveza e a suavidade nas imagens. São mulheres que se sentem bem posando para o fotógrafo.
Zanetta, 57 anos, explica que seu trabalho voltado para a nudez em meio à natureza foi despertado após assistir à série Viking, veiculada pela Netflix. Foi vendo cenas de mulheres nuas em cachoeiras, rios e córregos que a ideia surgiu. O passo seguinte foi procurar referências de fotógrafos brasileiros, mas não achou. Encontrou o que imaginava em trabalhos europeus, como um russo, um norueguês e um austríaco. Foi o americano Prescott quem mais o cativou, mais pelas poses das modelos do que pela similaridade do trabalho.
Zanetta acredita que essa interação da mulher com a natureza remete à fantasia, aos sonhos e à beleza verdadeira. “É na floresta que essa poesia se escreve com corpo e alma. Olhar o resultado do trabalho me faz sempre suspirar”, comenta. Depois de publicar as imagens em redes sociais e no seu site, diz que ficou surpreendido com o volume de mulheres que se identificaram com o trabalho dele e com os comentários positivos recebidos dos homens. “Sempre admirando, nunca desejando”, assegura.
Floresta na ilha
Morador de Florianópolis (SC), a floresta de Zanetta fica na Ilha de Santa Catarina, privilegiada por grandes espaços naturais, com vários parques e bosques. Ao toparem posar para ele, as modelos já sabem que estarão em ambiente de mata, e este é um dos atrativos. São mulheres que geralmente já têm familiaridade com a natureza. Por isso, o fotógrafo garante que nunca ouviu nenhuma modelo reclamando de ter de caminhar muito, sentar nua em pedra, entrar em água gelada, dos insetos…
Nesse tipo de ensaio, há duas grandes preocupações, diz ele: a segurança e a privacidade da modelo. Mas como escolhe locais de acesso não tão fácil, nunca teve problemas durante a sessão de fotos. Na maioria das vezes, entra na mata apenas com a pessoa a ser fotografada e, durante o trabalho, nas paradas, há sempre um roupão para que ela não fique sem roupa. Em algumas sessões, ele leva uma assistente ou tem a companhia de uma amiga ou parente da modelo.
O objetivo do trabalho é colocar a modelo nua integrada ao ambiente da forma mais espontânea possível. “Acho muito fria as fotos em que conseguimos perceber que a modelo não está à vontade, como se estivesse deslocada”, explica. Gracinhas? Assédio? Jamais. O comportamento deve ser profissional e educado. “O segredo é ter muito respeito pela pessoa e pelo trabalho em si. A direção tem de ser feita com calma, com bom-humor e com muito profissionalismo. Isso faz com que elas confiem mais no fotógrafo e também se soltem mais”, ensina. Para evitar incômodos com insetos, Zanetta leva repelente e pede para que a modelo passe pelo corpo todo. “Estamos invadindo o hábitat deles e a resposta nem sempre é agradável”, brinca.
A luz na mata
Zanetta lembra que o principal nesse tipo de ambiente é como aproveitar a luz. Ele geralmente fotografa de manhã, mas não muito cedo, entre 10h e 11h, ou mais próximo do meio-dia, quando a mata é mais fechada. Leva rebatedor e difusor – quando está sozinho, prende o acessório em árvores ou em algum lugar possível. Diz que já tentou usar flash de preenchimento, mas não gostou do resultado. “Senti certa artificialidade na foto. Apenas com luz natural me agrada mais, pois a pele da modelo fica um pouco mais granulada. Combina com o tom lúdico que busco”, argumenta.
Ao encontrar o lugar certo, observa de onde vem a luz e estuda rapidamente como poderá tornar o ambiente mágico na pós-produção. “Chego a visualizar a foto pronta”, garante. Apesar do protagonismo do verde na locação, afirma que a luz filtrada na mata é mais azulada, e é preciso estar atento a isso para “esquentar” os tons no tratamento. “Faço isso no Lightroom e trabalho principalmente a luz e a nitidez na modelo, deixando as laterais e o fundo um pouco mais escuros. Às vezes, altero a cor da folhagem também para destacar a modelo”, resume.
O fotógrafo comenta que está planejando trocar de equipamento, mas por enquanto trabalha com sua Canon EOS 5D Mark II. A lente preferida é a telezoom Canon 70-200 mm f/4 pela versatilidade. Leva também a fixa 50 mm f/1.4 para situações de luz mais baixa – tem mais duas objetivas Canon, a 17-40 mm f/4 e a 85 mm f/1.8, mais requisitadas em outros trabalhos. Sempre no modo manual, ajusta basicamente o ISO 400, sensibilidade média que tem dado bons resultados.
A primeira vez
Ricardo Zanetta estudou Biologia por dois anos, mas deixou a faculdade para trabalhar e cuidar da família (é casado com Helena há 30 anos e tem três filhos). Depois, aos 44 anos, foi cursar faculdade de Design. Nunca trabalhou na área, porém a nova área abriu mais sua cabeça para a fotografia. Quatro anos atrás, a atividade principal era a de gerente de uma concessionária Fiat em Floripa. Deixou o emprego, e a fotografia, até então um hobby, virou profissão. “Ainda não está dando dinheiro. Quem tem pagado as contas da casa é a Helena”, confessa.
Hoje procurado por mulheres que querem ser retratadas nuas por ele, lembra que o primeiro ensaio fotográfico foi com uma recepcionista da concessionária. “Levei um mês para convencê-la. Era um ensaio normal, na linha retrato. Para minha surpresa, ela levou uma amiga como companhia. Acabei retratando a duas. Depois, elas mostraram o resultado para as amigas, outras quiseram também”, informa.
Cerca de quatro meses depois, ele sondou a mesma recepcionista para saber se ela tinha interesse de fazer fotos sensuais ao estilo boudoir. Mostrou exemplos e ela topou. Fez numa sala de apartamento, com luzes de estúdio. A moça se empolgou e ficou nua para uma foto sobre um sofá. “O resultado foi ótimo. Mas ainda não era aquilo que procurava”, comenta ele. Foi então que, assistindo à série Vikings, veio a luz.
As ninfas
Quando Zanetta lançou o projeto Floresta Nua-Natureza in Corpo, começou a buscar mulheres que se sentissem bem posando nuas nesse ambiente. Reuniu muitas fotos na internet que representavam o que ele queria mais ou menos fazer. Também procurou no Instagram mulheres que haviam posado nuas e entrou em contato com algumas propondo uma participação no projeto dele. A quem se interessava, enviava referências que havia garimpado para que tivessem noção do que queria. Quando conseguiu a adesão de cinco mulheres, começou a agendar os ensaios. “O primeiro eu me lembro bem. Foi no dia 25 de setembro de 2016 com uma moça chamada Sonia, que levou a irmã junto”, rememora.
A cada ensaio, pedia autorização para postar as fotos no site e nas redes sociais, sempre mostrando qual era a foto que iria publicar para que a modelo aprovasse. “Para minha alegria, as fotos começaram a ser vistas e curtidas por muitas mulheres. Algumas entravam em contato com interesse em fazer um ensaio. Escreviam que estavam atrás de fotógrafo com aquele olhar sobre a mulher etc. e tal”, conta Zanetta.
Foi aí que a ficha caiu: percebeu que estava fazendo algo diferente no segmento de sensualidade e nudez feminina. Para ele, determinado grupo de mulheres quer ser fotografada nua, mas sem nenhuma conotação sexualista. “Eu as vejo como ninfas. Parecem deusas na floresta. Para mim é lúdico e poético. Elas também enxergam da mesma forma”, assegura. Ricardo Zanetta está certo. As mulheres cada vez mais sabem o que querem e decidem o que fazer com o próprio corpo. Hipocrisia e falso moralismo ainda estão enraizados na sociedade, mas é preciso resistir e evoluir.