05
12-2019

O Alcance dos Olhos

Olhar Global   /  
Fortaleza de Sagres, no Algarve, fotografada para o livro Portugal, de 2016. Foto: Cristiano Mascaro

Fortaleza de Sagres, no Algarve, fotografada para o livro Portugal, de 2016. Foto: Cristiano Mascaro

Ao completar 50 anos de carreira, o celebrado fotógrafo Cristiano Mascaro ganha uma exposição que mostra a sua brilhante trajetória

Por Juan Esteves

Aluno aplicado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) nos anos 1960, o jovem Cristiano Mascaro emprestou do arquiteto paulista João Xavier, seu professor, uma câmera Pentax para documentar a primeira grande viagem, uma aventura até a Bolívia no famoso “trem da morte” (de Puerto Quijarro, fronteira com o Mato Grosso do Sul, a Santa Cruz de La Sierra), então hit entre os ripongos brasileiros tardios influenciados pelo americano Jack Kerouac e seu antológico livro On the Road, de 1957.

Alguns anos depois, ele voltou à Bolívia já como fotojornalista para a primeira cobertura internacional pela revista Veja. Foi em Cochabamba que Mascaro fotografou, em 1969, o enterro do general René Barrientos Ortuño, militar de extrema-direita, ditador boliviano da época muito respeitado pelo povo. Algumas dessas imagens foram selecionadas para a exposição O que os olhos alcançam, realizada em 2019 no Sesc Pinheiros, em São Paulo (SP), espécie de antologia, como define o curador Rubens Fernandes Junior. “Não é exatamente uma retrospectiva, mas contempla 50 anos da produção de Mascaro”, explica ele.

O título O que os olhos alcançam foi extraído por Fernandes Junior do grande romance Em Busca do Tempo Perdido, do francês Marcel Proust, com sete volumes publicados entre 1913 e 1927. Serve como excelente analogia para as fotografias de Mascaro, conjugando, como na obra proustiana, o poético e o lírico, o fator memorialista ao lado do narrativo.

Carregadores de sacos de farinha registrados no Brás, São Paulo, em 1977. Foto: Cristiano Mascaro

Carregadores de sacos de farinha registrados no Brás, São Paulo, em 1977. Foto: Cristiano Mascaro

Influenciado por revista estrangeiras

Natural de Catanduva, interior paulista, o arquiteto Cristiano Mascaro abraçou a fotografia por meio das revistas que chegavam à biblioteca da FAU-USP, pela qual se graduou. Mesma instituição em que fez seu mestrado e doutorado nos anos 1980 e 1990 e, onde, de 1974 a 1988, dirigiu o Laboratório de Recursos Audiovisuais.

A FAU mantinha a assinatura da revista Life, na qual Mascaro encontrou imagens do francês Henri Cartier-Bresson, do americano Eugene Smith e dos húngaros Robert Capa e André Kertész. Entretanto, conta ele, quem teve uma grande importância na sua guinada para a fotografia foi um ensaio sobre Cuzco, Peru, feito pelo americano Irving Penn, publicado em revistas do grupo Condé Nast, como a Vogue.

Ele lembra também que ficou profundamente comovido quando viu o clássico Images à la Sauvette (Verve, 1952) de Cartier-Bresson. É um livro até hoje guardado por ele, uma preciosidade por ser a primeira edição – está na memorabilia montada para a exposição ao lado de outros clássicos da fotografia. Ele relata ainda que foi muito influenciado pelo cinema francês dos anos 1960, a contestadora Nouvelle Vague, e lembra o impacto causado pelo filme italiano O Leopardo, de 1963, dirigido por Luchino Visconti.

Palácio da Juventude e um edifício futurista em Varsóvia, Polônia, em 2013; foto: Cristiano Mascaro

Palácio da Juventude e um edifício futurista em Varsóvia, Polônia, em 2013; foto: Cristiano Mascaro

Um cronista visual

O trabalho de Cristiano Mascaro está vinculado à sua produção urbana, notadamente da arquitetura paulistana, embora ele não se considere exatamente “fotógrafo de arquitetura”. De fato, é um cronista visual urbano, e não somente de São Paulo, onde vive, como provam os livros Portugal (Editora Bei, 2016), Rio Revelado (Casa da Palavra, 2015) e Viagem a Tóquio ( DBA, 2014). O consagrado arquiteto português Alvaro Siza diz que qualquer um pode fotografar uma cidade hoje em dia, mas poucos, como Mascaro, atingem a sua atmosfera, a sua respiração.

Essa relação é visível quando se avalia a amplitude no caminho traçado pelo fotógrafo. Não apenas a crônica das cidades, mas a mais humana, vista em retratos colhidos em bairros paulistanos, como o Brás – trabalho feito em parceria com o renomado Pedro Martinelli, em 1974, colega dos tempos da revista Veja, publicação em que trabalhou de 1968 a 1972.

Do pequeno 35 mm do fotojornalismo, Mascaro migrou para o médio formato, adotando uma Hasselblad 6 x 6 cm, opção que surgiu dessa parceria com Martinelli no Brás. “Como o Pedrão estava usando o 35 mm, quis fotografar de forma diferente para não ficar parecido”, comenta. O resultado foi a série de retratos antológicos de uma geração de imigrantes e trabalhadores.

Fez outro ensaio marcante sobre os bairros Luz e Bom Retiro, vizinhos à Pinacoteca do Estado, a convite da então curadora Aracy Amaral, algo que o levou a trabalhar em micro histórias, como lembra Fernandes Junior, criador do Gabinete Fotográfico da Pinacoteca. E, depois, adotou também uma câmera de 4 x 5 polegadas com back de 6 x 9 cm, com a qual viajou o Brasil com ela montada no tripé e, finalmente, se rendeu à tecnologia digital.

Arranjo fotografado em Ouro Preto (MG), em 1990. Foto: Cristiano Mascaro

Arranjo fotografado em Ouro Preto (MG), em 1990. Foto: Cristiano Mascaro

Um aprendiz de Andujar e Bisilliat

Os primeiros passos rumo à fotografia profissional foram dados na mítica escola Enfoco, na capial paulista, onde foi aluno da suíça Claudia Andujar e da inglesa  Maureen Bisilliat – foi por indicação de Andujar que Mascaro integrou a primeira equipe de Veja, lançada em setembro de 1968. Depois, ele mesmo se tornou professor da Enfoco entre 1972 e 1975.

Desde a primeira aventura para a Bolívia e Peru, ainda como estudante de Arquitetura, Mascaro sempre gostou de viajar e o fotojornalismo lhe ofereceu muitas oportunidades. Já como fotógrafo independente, ao fotografar para o Programa Monumenta e para o livro Patrimônio Construído, ele documentou cidades de todo o território brasileiro, com exceção do Amapá. Rubens Fernandes Junior avalia que essas viagens foram uma forma de Mascaro aguçar o olhar e a técnica para o mundo cotidiano. “Fiquei entusiasmado com a possibilidade de viver fotografando o mundo de uma forma leve e descontraída”, diz o fotógrafo.

Em outra frente, desde 2013 Mascaro vem trabalhando com o escultor americano Richard Serra, fotografando e interpretando a obra dele em diferentes países do mundo, como o Catar. Sem dúvida, uma enorme distância percorrida desde que aquele rapaz meio hippie subiu no trem para Santa Cruz de La Sierra.

No alto, vista da Basílica de São Petrônio, em Bolonha, na Itália, em 2016. Foto: Cristiano Mascaro

No alto, vista da
Basílica de São Petrônio, em Bolonha, na Itália, em 2016. Foto: Cristiano Mascaro

Cena urbana registrada diante de um muro em Carapicuíba (SP), em 2018. Foto: Cristiano Mascaro

Cena urbana registrada diante de um muro em Carapicuíba (SP), em 2018. Foto: Cristiano Mascaro

Seven, obra do escultor Richard Serra documentada por Cristiano Mascaro

Seven, obra do escultor Richard Serra documentada por Cristiano Mascaro em Doha, no Catar, em 2014

Cristiano Mascaro por Juan Esteves

Cristiano Mascaro por Juan Esteves

Matéria publicada originalmente em Fotografe Melhor 273

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