12-2019
O Alcance dos Olhos
Ao completar 50 anos de carreira, o celebrado fotógrafo Cristiano Mascaro ganha uma exposição que mostra a sua brilhante trajetória
Por Juan Esteves
Aluno aplicado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) nos anos 1960, o jovem Cristiano Mascaro emprestou do arquiteto paulista João Xavier, seu professor, uma câmera Pentax para documentar a primeira grande viagem, uma aventura até a Bolívia no famoso “trem da morte” (de Puerto Quijarro, fronteira com o Mato Grosso do Sul, a Santa Cruz de La Sierra), então hit entre os ripongos brasileiros tardios influenciados pelo americano Jack Kerouac e seu antológico livro On the Road, de 1957.
Alguns anos depois, ele voltou à Bolívia já como fotojornalista para a primeira cobertura internacional pela revista Veja. Foi em Cochabamba que Mascaro fotografou, em 1969, o enterro do general René Barrientos Ortuño, militar de extrema-direita, ditador boliviano da época muito respeitado pelo povo. Algumas dessas imagens foram selecionadas para a exposição O que os olhos alcançam, realizada em 2019 no Sesc Pinheiros, em São Paulo (SP), espécie de antologia, como define o curador Rubens Fernandes Junior. “Não é exatamente uma retrospectiva, mas contempla 50 anos da produção de Mascaro”, explica ele.
O título O que os olhos alcançam foi extraído por Fernandes Junior do grande romance Em Busca do Tempo Perdido, do francês Marcel Proust, com sete volumes publicados entre 1913 e 1927. Serve como excelente analogia para as fotografias de Mascaro, conjugando, como na obra proustiana, o poético e o lírico, o fator memorialista ao lado do narrativo.
Influenciado por revista estrangeiras
Natural de Catanduva, interior paulista, o arquiteto Cristiano Mascaro abraçou a fotografia por meio das revistas que chegavam à biblioteca da FAU-USP, pela qual se graduou. Mesma instituição em que fez seu mestrado e doutorado nos anos 1980 e 1990 e, onde, de 1974 a 1988, dirigiu o Laboratório de Recursos Audiovisuais.
A FAU mantinha a assinatura da revista Life, na qual Mascaro encontrou imagens do francês Henri Cartier-Bresson, do americano Eugene Smith e dos húngaros Robert Capa e André Kertész. Entretanto, conta ele, quem teve uma grande importância na sua guinada para a fotografia foi um ensaio sobre Cuzco, Peru, feito pelo americano Irving Penn, publicado em revistas do grupo Condé Nast, como a Vogue.
Ele lembra também que ficou profundamente comovido quando viu o clássico Images à la Sauvette (Verve, 1952) de Cartier-Bresson. É um livro até hoje guardado por ele, uma preciosidade por ser a primeira edição – está na memorabilia montada para a exposição ao lado de outros clássicos da fotografia. Ele relata ainda que foi muito influenciado pelo cinema francês dos anos 1960, a contestadora Nouvelle Vague, e lembra o impacto causado pelo filme italiano O Leopardo, de 1963, dirigido por Luchino Visconti.
Um cronista visual
O trabalho de Cristiano Mascaro está vinculado à sua produção urbana, notadamente da arquitetura paulistana, embora ele não se considere exatamente “fotógrafo de arquitetura”. De fato, é um cronista visual urbano, e não somente de São Paulo, onde vive, como provam os livros Portugal (Editora Bei, 2016), Rio Revelado (Casa da Palavra, 2015) e Viagem a Tóquio ( DBA, 2014). O consagrado arquiteto português Alvaro Siza diz que qualquer um pode fotografar uma cidade hoje em dia, mas poucos, como Mascaro, atingem a sua atmosfera, a sua respiração.
Essa relação é visível quando se avalia a amplitude no caminho traçado pelo fotógrafo. Não apenas a crônica das cidades, mas a mais humana, vista em retratos colhidos em bairros paulistanos, como o Brás – trabalho feito em parceria com o renomado Pedro Martinelli, em 1974, colega dos tempos da revista Veja, publicação em que trabalhou de 1968 a 1972.
Do pequeno 35 mm do fotojornalismo, Mascaro migrou para o médio formato, adotando uma Hasselblad 6 x 6 cm, opção que surgiu dessa parceria com Martinelli no Brás. “Como o Pedrão estava usando o 35 mm, quis fotografar de forma diferente para não ficar parecido”, comenta. O resultado foi a série de retratos antológicos de uma geração de imigrantes e trabalhadores.
Fez outro ensaio marcante sobre os bairros Luz e Bom Retiro, vizinhos à Pinacoteca do Estado, a convite da então curadora Aracy Amaral, algo que o levou a trabalhar em micro histórias, como lembra Fernandes Junior, criador do Gabinete Fotográfico da Pinacoteca. E, depois, adotou também uma câmera de 4 x 5 polegadas com back de 6 x 9 cm, com a qual viajou o Brasil com ela montada no tripé e, finalmente, se rendeu à tecnologia digital.
Um aprendiz de Andujar e Bisilliat
Os primeiros passos rumo à fotografia profissional foram dados na mítica escola Enfoco, na capial paulista, onde foi aluno da suíça Claudia Andujar e da inglesa Maureen Bisilliat – foi por indicação de Andujar que Mascaro integrou a primeira equipe de Veja, lançada em setembro de 1968. Depois, ele mesmo se tornou professor da Enfoco entre 1972 e 1975.
Desde a primeira aventura para a Bolívia e Peru, ainda como estudante de Arquitetura, Mascaro sempre gostou de viajar e o fotojornalismo lhe ofereceu muitas oportunidades. Já como fotógrafo independente, ao fotografar para o Programa Monumenta e para o livro Patrimônio Construído, ele documentou cidades de todo o território brasileiro, com exceção do Amapá. Rubens Fernandes Junior avalia que essas viagens foram uma forma de Mascaro aguçar o olhar e a técnica para o mundo cotidiano. “Fiquei entusiasmado com a possibilidade de viver fotografando o mundo de uma forma leve e descontraída”, diz o fotógrafo.
Em outra frente, desde 2013 Mascaro vem trabalhando com o escultor americano Richard Serra, fotografando e interpretando a obra dele em diferentes países do mundo, como o Catar. Sem dúvida, uma enorme distância percorrida desde que aquele rapaz meio hippie subiu no trem para Santa Cruz de La Sierra.
Matéria publicada originalmente em Fotografe Melhor 273