10-2019
Luz natural para criar um mundo de sonhos
A canadense Cassandra Jones fala sobre os desafios de fotografar ao ar livre, sua relação com as crianças que registra e o universo encantado de seu trabalho
Por Ana Luísa Vieira
Cercados pela floresta e sob um jogo de luz que lhes garante um halo especial, bebês e crianças de várias faixas etárias que protagonizam as imagens mais parecem parte de um universo encantado. Do outro lado, por trás da câmera, a fotógrafa também não deixa de ser um personagem: é conhecida como Noelle Mirabella – ainda que se chame, na verdade, Cassandra Jones.
Quando perguntada sobre o caminho que trilhou até clicar os pequenos profissionalmente, a canadense – que vive na cidade de Grande Prairie, na província de Alberta, em seu país de origem – é categórica: “Sempre digo às pessoas que nunca procurei pela fotografia, foi ela que me encontrou”. Um clichê que certamente não faz jus à verdadeira história, iniciada sete anos atrás.
Psicóloga de formação, Cassandra preparava a tese de mestrado em Psicologia Clínica quando deu à luz Ava Maria. A menina, entretanto, veio ao mundo sem vida. “Como é de se imaginar, fui completamente tomada pela tristeza. Tive de tirar seis meses de licença das obrigações acadêmicas”, relata. Sem a filha que havia esperado e longe dos afazeres habituais, viu na fotografia uma oportunidade de recomeço. “Foi uma maneira de me forçar a sair de casa para encontrar alguma beleza no mundo”, diz. Acabou sendo como desabafar em um divã: “A fotografia se tornou minha terapia muito rapidamente”.
Inspirada nas crianças
Desde o início, a canadense conta ter se sentido mais confortável clicando bebês, especialmente os recém-nascidos. “Se você olhar para os meus trabalhos mais antigos, vai perceber que já eram muito parecidos com o que faço hoje.” Os pequenos são tanto os personagens principais nos retratos de Cassandra como a fonte de inspiração para a composição dos cenários: “Me espelho na maneira mágica como eles veem o mundo”, explica a fotógrafa.
A princípio, a “magia” se dá com uma Canon EOS 5D Mark IV. Além dela, Cassandra conta com um pequeno arsenal de lentes: 200 mm f/2, 70-200 mm f/2.8, 135 mm f/2, 85 mm f/1.2, 50 mm f/1.2, 24-70 mm f/2.8, 14 mm f/2 e a macro 100 mm f/2.8. Para o caso de imprevistos, ainda leva um corpo extra a todos os ensaios — até hoje, garante, não precisou usá-lo. “Em relação às lentes, uso todas em situações variadas, mas a 24-70 mm f/2.8 e a 200 mm f/2 estão sempre comigo. Não consigo viver sem elas. Geralmente, prefiro as mais longas (de 200, 135 e 85 mm) para fotografar em locações ao ar livre. As de maior abertura ficam para as fotos em ambientes fechados”, informa.
Cassandra assegura que o resultado quase onírico presente nas imagens vem mais da forma de fotografar do que de efeitos de pós-produção: “Adoro usar a 200 mm em abertura f/2 para ter belos planos de fundo desfocados. Depois, no Photoshop, realço as melhores características que já foram registradas pela câmera”, explica.
Do clima à agenda
De fora, quem olha as imagens tende a pensar que o maior desafio da fotógrafa deve ser lidar com a fragilidade dos bebês recém-nascidos ou registrar a espontaneidade das crianças em meio a momentos de confusão e brincadeira. Mas a canadense garante que os percalços geralmente envolvem fatores mais externos. “A minha maior dificuldade, com certeza, é o tempo, já que faço a maioria dos ensaios ao ar livre. Vivo e trabalho na região dos prados canadenses e a temperatura é meio imprevisível aqui. Levar os bebês e as crianças para áreas externas nessas condições é muito desafiador”, avalia.
Por esse motivo, a agenda de Cassandra costuma ser bastante flexível. Ela indica que reserva uma semana inteira para determinado ensaio e, conforme a data se aproxima, checa a previsão do tempo: “Só então eu e o cliente combinamos um dia ou mais dias definitivos”. Geralmente, são quatro ensaios por semana nos meses que se estendem desde a primavera até o outono e não mais que dois durante o inverno.
Uma amostra dos trabalhos concluídos, é claro, vai para as redes sociais – mais especificamente, Instagram e Facebook. “Percebo que, pelo Instagram, consigo alcançar um público mais global. Pelo Facebook, faço mais contatos e sou procurada por pessoas da minha região para agendar trabalhos”, explica.
O outro nome
Foi para publicar imagens online, aliás, que Cassandra Jones sentiu necessidade de encontrar um outro nome. “Quando comecei a fotografar, não tinha intenção nenhuma de me tornar profissional. Eu só queria continuar atendendo como psicóloga e, nesse campo [da psicologia], é muito importante evitar qualquer tipo de relação com o paciente fora do consultório. Não poderia batizar minha página no Facebook com o meu próprio nome porque as pessoas que eu atendia poderiam fazer essa conexão”, detalha.
A ideia para a alcunha artística veio enquanto a canadense folheava um álbum da própria infância: abaixo de uma das fotos, sua mãe escrevera sobre o apego de Cassandra menina por uma boneca de pano chamada Noelle Mirabella. “Achei de uma casualidade incrível que minha primeira filha também tenha sido batizada Noelle em uma época que eu sequer lembrava que essa boneca existia. Imediatamente me pareceu o nome perfeito para a minha página de fotografia.” E não é que combinou?
Além dos ensaios, Cassandra Jones ainda participa de workshops sobre fotografia de crianças pelo Canadá e em outros países. Vez ou outra, também encontra tempo para ensaios longe de casa. O lugar mais inusitado em que esteve, afirma, se situa nos rincões da Inglaterra. “É um vilarejo charmoso, chama-se Widecombe-in-the-Moore, e fica no sul do país. Às margens da vila, existe uma floresta de cair o queixo chamada Wistman’s Wood. Não há placas que indiquem o local. Havia pôneis e ovelhas selvagens e também um bosque majestoso, cheio de árvores com galhos retorcidos e pedras recobertas de musgo”, descreve.
Paisagens mais tropicais, como as do Brasil, ainda não serviram como pano de fundo para as fotos. “Mas eu adoraria”, diz a canadense.
As incríveis (e fofas) quadrigêmeas
Foi pela internet que Cassandra Jones descobriu, em 2016, o nascimento de quadrigêmeas idênticas na cidadezinha canadense de Hythe – com pouco menos de mil habitantes, a aproximadamente 58 km de Grande Prairie, onde a fotógrafa mora. “Eu mesma entrei em contato com a mãe”, conta ela, que acabou por fazer uma sessão de fotos com as filhas recém-nascidas do casal Tim e Bethani Webb para um álbum muito caprichado.
Para Cassandra, esse primeiro ensaio rendeu um portfólio e tanto: a notícia sobre as fotos rodou o mundo, já que se estima que existam apenas 70 grupos de quadrigêmeos idênticos entre as mais de 7,4 bilhões de pessoas no planeta. Abigail, Grace, McKayla e Emily são tão parecidas que receberam brincos de cores diferente desde o nascimento para que os pais pudessem identificá-las.
No segundo semestre de 2018, foi Bethani, a mãe das quatro irmãs, quem procurou Cassandra para uma segunda rodada de fotografias. “É incrível acompanhar o crescimento delas. Hoje em dia, elas têm muita personalidade e é muito divertido ficar perto das meninas”, diz ela. E, mais uma vez, as imagens da fotógrafa canadense rodaram o mundo em sites especializados em fotografia – que, inclusive, foi a forma como Fotografe a descobriu.
Matéria publicada originalmente em Fotografe Melhor 270