02-2017
Um voucher para a Islândia
A avó da fotógrafa paulistana Anna Silveira sonhava em conhecer lugares frios. Mas, enquanto seu marido era vivo, viajavam apenas para lugares quentes, porque ele odiava baixas temperaturas. Quando ficou viúva já não tinha mais condições de fazer viagens muito longas e deu para a neta um voucher simbólico: “Vale uma viagem ao Polo Norte”.
Era para Anna viajar para lugares frios e trazer fotos para ela ver. O voucher ficou guardado durante alguns anos. Até que em abril de 2013 ela foi buscar no aeroporto a renomada fotógrafa americana Mary Ellen Mark (1940-2015), que chegava ao Brasil para um workshop em São Paulo (SP), e no qual Anna seria sua assistente. “Pegamos o maior trânsito daquele ano. Foram cerca de três horas de Guarulhos até o hotel. Na conversa para matar o tempo, contei do voucher que minha avó tinha me dado”, lembra.
Meses depois, em agosto, Mary Ellen Mark entrou em contato com Anna e a convidou para fazer de graça seu workshop na Islândia, que, além de ser terra da excêntrica cantora Björk, costuma ter temperaturas muito baixas. “Por que você não usa o voucher da sua avó para fazer meu workshop?”, disse Mary Ellen. Anna não pensou duas vezes, comprou a passagem e seguiu para a Islândia com o propósito de fazer fotos bem turísticas para mostrar para sua avó e participar do workshop.
A brasileira, no entanto, não queria apresentar essas fotos de pontos turísticos para a mentora. Mary Ellen, então, sugeriu à jovem fazer um ensaio de crianças e até deu um jeito para a brasileira acompanhar o cotidiano de uma família islandesa que já tinha duas crianças e a mãe estava grávida de oito meses.
Idioma e câmera
Logo de cara rolou uma empatia entre a brasileira e a mãe, Inga Johannsdottir, e o pai, Benedikt Sigurosson. E Anna pediu para ficar o máximo de tempo com eles: ia ao mercado com as crianças, às festinhas de amiguinhos, buscava-as, com a mãe, na escola; participou até de almoços de domingo com outros familiares. “Foi uma imersão”, conta. O contato com as crianças, porém, foi bem difícil no começo. Como elas não falavam em inglês, só havia comunicação por gestos.
A outra dificuldade ficou por conta do equipamento. Anna não estava acostumada a trabalhar com a Leica M9 e uma lente 35 mm que tinha pegado emprestado no trabalho. Era a primeira vez que ela usava a câmera, que tem um sistema de foco diferente do padrão das marcas mais populares. E por isso a maioria das fotos estava saindo sem foco.
Anna entrou em desespero a ponto de ligar para o Brasil chorando, dizendo que não sabia fotografar. Questionou até com Mary Ellen se serviria mesmo para fotografia. A veterana e experiente fotógrafa explicou que todo mundo passa por isso quando começa a fotografar com uma Leica e aconselhou: “Não quero te ver na aula amanhã. Você vai ficar no hotel trancada até aprender a trabalhar com a câmera”.
Assim que pegou o jeito, Anna se sentiu mais confiante para voltar ao trabalho de campo e fazer os registros no cotidiano das duas meninas na intimidade familiar. “Agora que aprendi a fotografar com a Leica é um caminho sem volta. Mudou totalmente o meu jeito de fotografar. Eu me encontrei”, afirma a fotógrafa, que depois da experiência comprou uma M240. O trabalho deu tão certo que, às vezes, ela é convidada a fazer ensaios de família por conta dessas fotos. E propõe a mesma imersão que teve na Islândia. E várias pessoas topam tê-la em casa por pelo menos um fim de semana.