10-2025
Fotografia perde o olhar, o talento e a delicadeza de José Bassit
Quem já teve a sorte de apreciar o livro Imagens Fiéis, de José Bassit, tem a dimensão da grandeza do fotógrafo que o fez. Mas, como ocorre com outros artistas visuais, Bassit não foi valorizado como deveria. O verbo está no passado porque a fotografia perdeu o talento, o olhar e a delicadeza de Bassit no dia 25 de setembro de 2025 – ele tinha uma saúde debilitada desde 2016, quando passou por uma delicada cirurgia devido a uma pancreatite. Em 40 anos de carreira, atuou no fotojornalismo da grande imprensa e migrou para fotografia documental, na qual Imagens Fiéis, editado pela extinta Cosac Naify em 2003, é seu auge, uma obra seminal sobre a fé e a religiosidade do povo brasileiro.

O projeto do livro “Imagens Fiéis” levou cinco anos para ser concluído por José Bassit, de 1998 a 2003
Seu nome completo era José Eduardo Bassit Macedo, nascido em 1957 em São Paulo. Fotojornalista desde 1985, teve seus trabalhos publicados nos principais jornais e revistas do Brasil. Suas obras integram acervos de instituições como a Pinacoteca do Estado de São Paulo e o Museu de Arte de São Paulo. Começou a fotografar na época em que cursava a faculdade de Jornalismo, que terminou em 1980. Depois disso, passou um ano na Inglaterra, onde descobriu que seu destino seria mesmo a fotografia. Fez seu primeiro ensaio documental, The London Underground, sobre o fascinante metrô de Londres, que lhe rendeu um prêmio o Brasil e diversas exposições, inclusive na estação de Santa Cecília do Metro da cidade de São Paulo.

Criança vestida de anjo fotografada em 2000 na Festa da Lapinha, em Juazeiro do Norte (CE), um dos grandes retratos da fotografia brasileira
Ao voltar ao Brasil, apresentou seu trabalho para o editor de fotografia da Agência Estado e acabou contratado. Ficou sete anos na equipe, atendendo os jornais
O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde. Saiu para ser editor de fotografia do jornal segmentado Meio & Mensagem, mas logo voltou ao fotojornalismo diário como repórter fotográfico da Folha de S.Paulo.

Para o documentário “Imagens Fiéis”, Bassit fez 27 viagens para 7 estados brasileiros e
esse trabalho se transformou em livro, publicado pela extinta Cosac Naify em 2003
Sua vida de fotógrafo mudou completamente em 1998, quando ele fez a primeira viagem a Juazeiro do Norte para fotografar a Festa de Finados. Bassit quase não acreditou no que viu: milhares de fiéis, gente muito humilde, pedindo graças e pagando promessas ao Padre Cícero. “Isso me emocionou de tal maneira que resolvi, com dicas de outros fotógrafos, ir em busca de manifestações religiosas como aquela. E encontrei muitas outras como a de Juazeiro Brasil afora. Sou católico desde criança, mas nunca fui praticante até começar o documentário Imagens Fiéis. Aprendi que tem sim algo maior que nos protege. Passei a frequentar a igreja para agradecer e pedir bênçãos”, disse numa entrevista quando o livro foi lançado.

Detalhes dos pés descalços de fiéis: foi durante a sua primeira viagem a Juazeiro do Norte,
em 1998, que José Bassit decidiu que documentaria o povo brasileiro e sua religiosidade
José Bassit comentava que a principal característica da fotografia documental está na oportunidade de se aprofundar no tema escolhido, registrando um pouco da época em que se vive. Mas liberdade de ação no documentário fotográfico também cobra o seu preço. “Com certeza, o fator financeiro é o mais importante no trabalho documental, pois raramente se tem patrocínio para esse tipo de projeto. O trabalho comercial foi o que bancou meus projetos pessoais. Sendo assim, você está sempre no limite de verbas”, afirmava ele, que, como fotógrafo independente, fazia poucos trabalhos comerciais e se dedicava a dar aulas e a buscar a inserção de suas fotos em galerias de arte.

Fotografia de rua: no metrô paulistano, um cartaz de filme na parede vira uma cena inusitada
A complexa cirurgia em 2016 o deixou na cama por três meses. Quando voltou a ficar em pé, os médicos recomendaram que ele caminhasse todo dia, aumentando gradativamente o percurso à medida que aguentasse. Começou as caminhadas com a câmera a tiracolo, claro, e adotou aos poucos um novo gênero: a fotografia de rua. Ele começou no quarteirão de casa, foi ampliando o raio da caminhada até chegar a distâncias de alguns quilômetros, isso num processo de recuperação que durou de 2016 a 2019.

O olhar atento de caçador de imagens capta um Batman que caminha pelo centro de São Paulo
A “fototerapia” de Bassit surpreendeu os médicos, que viram uma rápida evolução do paciente. Mas deixou uma “sequela”: ele ficou viciado fotografar cenas de rua. “Todo fotógrafo deveria saber que a rua é uma grande escola. Você sai sem saber o que vai encontrar, sai sem nada planejado, mas vai prestando atenção aos detalhes, às pessoas, aos grafismos e, principalmente à luz. Posso dizer que domino a fotografia de rua do meu jeito e ela também me domina”, comentou em Bassit na edição 322 de Fotografe, cujo tema era fotografia de rua e que teve na capa uma foto de autoria dele. Esse novo repertório deu origem ao livro Olho de Vidro, editado pela Vento Leste em 2021.

Não é alguém se preparando para uma guerra química, mas um folião mascarado durante o Carnaval na Avenida Paulista
Em razão da grande cumplicidade com as pessoas que fotografava, Bassit dizia que nunca pedia autorização para uso de imagem e que jamais teve problemas com isso. Porém, isso acabou atrapalhando a publicação de outro documentário que ele fez entre 2003 e 2004 sobre as mais tradicionais barbearias da cidade de São Paulo. “Não peguei nenhuma autorização dos barbeiros. Mas as editoras para quem ofereci só aceitavam publicar com as autorizações. Vários dos barbeiros já morrerem e nem tem como pedir mais autorização”, explicou ele três anos atrás. Com sua morte, esse material inédito provavelmente jamais será de conhecimento público.

José Eduardo Bassit Macedo, o nome completo dele, nasceu na cidade de São Paulo em 1957