10-2019
Segredos de um fotógrafo de natureza
Confira as lições e reflexões do consagrado Luciano Candisani para evoluir na área e ter mais qualidade nos seus projetos
Por Sérgio Branco
A fotografia de natureza, meio ambiente, vida selvagem e populações tradicionais não se resume a registrar paisagens, ecossistemas, animais e pessoas. Para Luciano Candisani, profissional consagrado do segmento, o primeiro e fundamental passo para um fotógrafo que quer se dedicar ao setor é entender o que realmente o atrai, ou seja, que histórias pretende contar e mergulhar fundo nelas. É um estágio quase tão importante quanto o de fotografar, já que essa reflexão balizará todo o trabalho que venha a ser produzido.
Candisani defende que a inspiração de um fotógrafo deve partir, sobretudo, do desejo de passar uma interpretação sobre temas relevantes, e não da vontade de apenas produzir belas imagens. Assim, as fotos não se tornam meros registros desconexos de paisagens, ecossistemas e animais. Cada ensaio deve ter fotos que se relacionam para construir uma mensagem – e não ter uma coleção de imagens apenas didáticas e informativas. É fundamental trabalhar pela estética atraente e perseguir a união do documental com o interpretativo autoral. “Isso só é possível com envolvimento, transpiração e desejo profundo de fazer um material de boa qualidade”, explica.
Candisani aponta que há certa confusão sobre o que muitos definem como fotografia autoral, atrelando o termo ao experimentalismo, como cortes inusitados, desfoques, movimento ou supersaturação. Ele ensina que o autoral também pode estar ligado à representação real do assunto, em que exista um esforço de interferência ou de interpretação do fotógrafo.
O desenvolvimento do estilo, que todo fotógrafo tanto busca, é consequência da visão que cada um tem em seu horizonte para guiar passos e projetos. Está ligado à maneira como a criatividade será trabalhada a partir das ferramentas técnicas disponíveis para transmitir ideias. “Na maioria dos casos, não se força um estilo, pois ele não é construído intencionalmente. O estilo encontra o fotógrafo, não o contrário. Ele aparece naturalmente, vem com tempo e trabalho. Porém, é preciso abrir espaço para que surja. Ideias criativas e projetos interessantes ajudam a amadurecer um estilo”, afirma.
Por isso, cada fotógrafo deve trabalhar duro para contar suas histórias da forma mais íntegra e espontânea possível, fiel a si mesmo sem temer a crítica dos outros sobre o trabalho. Ter boas referências, por exemplo, é uma boa maneira de evoluir. De uma lista não muito extensa, Candisani cita três nomes que aprecia: os americanos Nick Nichols e David Doubilet e o canadense Paul Nicklen. Trabalhos desses mestres servem como fonte de inspiração, além de ajudar a desenvolver um senso estético e uma espécie de padrão de qualidade a ser alcançado.
Planejamento
Um passo fundamental para quem busca se destacar no setor é desenvolver bons projetos – uma maneira de evoluir tecnicamente, desenvolver um estilo e inserir-se no mercado. Esse processo tem uma palavra-chave: planejamento. É dele que depende (e muito) o sucesso de um projeto, de uma viagem ou de um único dia fotografando em campo.
Candisani diz que seus projetos nascem com a ideia de publicar um livro. Ou a partir de uma reportagem que, posteriormente, se desdobra em um livro. No entanto, até chegar o dia de viajar para fotografar há um longo caminho de estudos. Ele pesquisa a fundo o tema escolhido para descobrir o que foi publicado a respeito e como foi fotografado. A partir daí, começa a definir a sua abordagem, que história irá contar, quais imagens precisará registrar e quantas serão as viagens necessárias.
A pesquisa é feita em livros especializados, na internet e, principalmente, com especialistas no assunto. “Existe um trabalho de cooperação entre o fotógrafo da área e pesquisadores. Mas é preciso mostrar que o tema será registrado de forma adequada e publicado em bons veículos para que os pesquisadores possam passar informações. Para descobrir quem são e onde estão os especialistas, a solução é buscar na internet, em ONGs conservacionistas e em universidades”, explica.
Um dos segredos para conseguir fotos relevantes de uma determina espécie (mamífero, ave, réptil ou inseto) é conhecer o comportamento dela, seu hábitat, do que se alimenta, entre outros detalhes. “Esse conhecimento, vindo de pesquisas e informações de pesquisadores, será complementado pelo dos guias e mateiros do local, que sabem onde e como encontrar os animais”, comenta. E o mesmo vale quando o tema é a documentação da cultura de uma população tradicional. “Conhecer o tema em profundidade gera algo muito precioso, o poder da antecipação”, diz.
Na fase inicial de estudos do projeto, Candisani procura elaborar uma lista de imagens que considera necessárias para contar a história, já pensando na narrativa. Obviamente, faz fotos que não tinha planejado, pois sempre há surpresas, mas sempre tem um ponto de partida. Definir as viagens e o tempo necessário para cada uma é o passo seguinte. Por isso, pesquisa também é fundamental para saber em qual época fotografar, pois muitos eventos na natureza são sazonais: o período de chuvas, o nível dos rios, as florações, as fases de seca…
Maturação
Um ano tem sido a média para Candisani realizar um projeto desde a concepção, pesquisa, realização das fotos até a publicação do livro. E uma questão importante antes de viajar é ter autorizações prévias no caso de parques e reservas, sejam de administração pública ou privada. “É burocrático, e muitas vezes demorado, já que pode levar semanas. E apenas trabalhos jornalísticos ou científicos são permitidos sem a necessidade de pagamento de taxas”, afirma.
Só depois de ter reunido a maior quantidade possível de informações e de ter definido a ajuda de um guia (ou mateiro), ele sai a campo. Para essa etapa, Candisani elabora um cronograma diário para cada viagem – um plano inicial que costuma sofrer alterações conforme o andamento do trabalho ou das condições climáticas. “Às vezes pode ser necessário investir mais tempo em determinada imagem, caso o resultado não seja o esperado, como quando não se encontra o animal ou ele está em situação de luz ou posição desfavorável”, analisa.
Prever possíveis percalços, como calor, frio, chuva, mosquitos, entre outros, é crucial. “Um fotógrafo com frio, sede, fome ou alergia a mosquito não vai conseguir se concentrar. Qualquer detalhe não planejado pode arruinar tudo”, ensina. E aí, até o peso do equipamento precisa ser levado em conta, já que é preciso transportá-lo com certo conforto. “Dividir o peso com o guia é uma alternativa, mas deixar de levar o necessário por causa do peso não dá, a menos que isso impeça o fotógrafo de chegar ao local”, diz ele. Ou seja, equipamento também depende do planejamento tendo em vista necessidades específicas.
Não se escapa de imprevistos: mesmo com todos os cuidados, pesquisando as espécies e planejando para prever as situações, o inesperado está à espreita. É preciso estar preparado para superar desafios, evitar perigos e aproveitar oportunidades.
Equipamento
A resistência de câmeras e objetivas, expostas a condições extremas (calor, umidade, sujeira, chuva, areia, batidas…), é fundamental para um fotógrafo na área. Candisani trabalha apenas com DSLRs robustas e objetivas profissionais luminosas, construídas com óptica superior e mecânica mais durável. Na mochila leva as objetivas 17-35 mm, 14-24 mm, 24-70 mm, 70-200 mm e macro 100 mm, todas de abertura f/2.8, além da supertele 500 mm f/4.
A escolha da câmera depende da finalidade do trabalho. Para fotos de fauna, em que é necessário captar o momento decisivo, prefere a DSLR que em modo de disparo contínuo é capaz de fazer até 10 fotos por segundo. Já para paisagens, retratos de pessoas ou quando há tempo para compor a cena, usa outra DSLR com resolução mais alta – ambas com sensor full frame. Além disso, ter uma câmera reserva garante a segurança da continuidade do trabalho para o caso de surgir algum imprevisto, acidente ou avaria.
Prefere câmeras full frame pela qualidade da imagem e a ótima performance em ISOs mais altos, com nível de ruído aceitável. Porém, ele não descarta as DSLRs com sensor APS-C, que também podem ser usadas com eficiência. Para ele, em ISO baixo não existe grande diferença entre as câmeras full frame e as de sensor menor. Já no caso de objetivas, o ideal é investir em lentes luminosas, de abertura f/2.8. “De nada adianta ter uma câmera top de linha com uma objetiva ruim”, comenta.
Tripé é um acessório fundamental e imprescindível. Candisani tem um modelo da Gitzo, de fibra de carbono, com duas opções de cabeças, o ball-head (para paisagens) e o Wimberley (específica para uso com teles longas, no caso, a 500 mm f/4). O tripé é utilizado em quase todas as situações, mesmo durante o dia, pois com ele fica mais fácil diminuir o risco de fotos tremidas. Também serve para macrofotografia com luz ambiente, e a razão é a pouca profundidade de campo da lente macro, que dificulta a focagem, e a necessidade do ajuste de baixas velocidades de obturador. “Para macro, o tripé deve ter o recurso que permita usá-lo quase ao nível do chão”, explica.
Com a 500 mm f/4, grande e pesada para usar na mão, o tripé é crucial. O peso do conjunto para ser deslocado em andanças e a demora em montá-lo não desencorajam Candisani. “Consigo trabalhar em situações dinâmicas com o tripé e a tele, não preciso ficar necessariamente parado. Caminho com o conjunto sem qualquer problema”, diz.
Usa filtro polarizador e graduado neutro geralmente em objetiva grande angular para reduzir o contraste entre o céu e o chão em foto de paisagem. Prefere não usar filtro UV em nenhuma objetiva, assumindo o risco de danificar o elemento óptico frontal da lente. Por isso, redobra a atenção para possíveis batidas. “Prefiro esse cuidado extra a incluir mais um elemento que não terá a mesma qualidade óptica da objetiva”, justifica. Leva ainda controle remoto para fotos noturnas em modo Bulb (B), bateria e carregador extra, além de cartões de memória velozes e de grande capacidade de armazenamento para não precisar ficar economizando disparos.
Conta com um flash top de linha, que pode ser usado tanto na sapata quanto deslocado, disparado por cabo de sincronismo, sempre como luz de preenchimento. Na maioria das vezes, ajusta-o para o modo TTL, compensando entre um e dois pontos a menos depois de avaliar o histograma da imagem. “Em fotos de aves, animais em situações de alto contraste, para aliviar as sombras escuras ou no interior da mata, quando a luz deixa a pelagem dos bichos sem vida, o flash dá um brilho. Mas o ideal é que fique suave, quase imperceptível, apenas completando a luz ambiente”, ensina.
Para macrofotografia, usa um adaptador circular preso à frente da objetiva 100 mm e duas cabeças de flash acopladas a um suporte (bracket), ambas com ajuste independente de potência. A vantagem desse sistema é mobilidade no posicionamento dos flashes, pois ele pode tirar do suporte e colocar onde achar mais adequado.
Na hora de escolher o que levar, a primeira providência é avaliar a necessidade de cada item para não carregar peso extra. Se for sair a campo para fotografar animais de grande porte, por exemplo, o kit macro pode ficar em casa. “O ideal é levar o equipamento mais enxuto e prático possível. Mas nem sempre é fácil fazer essa equação. Muitas vezes, carrega–se peso excessivo, e em outras situações arrepende-se por não ter levado uma lente a mais”, resigna-se.
Para fotografia subaquática, uma especialidade dele, Candisani conta com uma caixa-estanque e flashes apropriados. Lembra que, para fazer esse tipo de imagem, o fotógrafo deve fazer um curso de mergulho para saber como se comportar debaixo d’água, dominar técnicas de respiração e operação do equipamento de mergulho.
E, depois de um dia de trabalho, a limpeza do equipamento é sempre necessária. Com o pincel e a bombinha de ar, Candisani retira a areia e poeira do corpo da câmera, que também ganha uma lustrada com pano macio. Com líquido e papel da marca Rosco, faz a limpeza das lentes. Jamais limpa o sensor da câmera, o máximo é usar a bombinha de ar para remover a poeira. Para sujeiras que ficam grudadas, envia a câmera para assistência técnica. E até que possa mandá-la para a oficina remove pontos de sujeira nas imagens na pós-produção.
Expedições
Depois de duas décadas rodando o Brasil e o mundo para fotografar, Luciano Candisani também tem se dedicado nos últimos anos a uma nova atividade: comandar expedições fotográficas em parceria com a empresa One Lapse, passando para pequenos grupos conhecimentos práticos e teóricos em viagens nacionais e internacionais.
Segundo ele, o público é de entusiastas avançados ou mesmo profissionais. E a ideia é ensinar o processo por trás da foto, e não exatamente como ela é feita. “Em geral, querem saber como eu faço. Inverto a pergunta: O que você quer fazer? Isso muda tudo, fica mais estimulante. Não me via fazendo isso, mas faz quatro anos que venho me envolvendo mais em expedições e workshops”, afirma.
Para ele, compartilhar conhecimento e fazer algo motivador, como identificar nas pessoas a visão de fotografia que elas têm, é muito gratificante. Diz que não busca ensinar fórmulas. Incentiva que cada um tenha a sua solução. Verifica o trabalho de um a um e se esforça em proporcionar uma boa experiência, pois cada participante tem uma reposta diferente para a mesma situação. “Vejo ajustes completamente diferentes, cada um com visão própria. Percebi que tem muita gente talentosa nos grupos e também muitos ligados à conservação da natureza, o que é ótimo, pois é uma forma de replicar a luta pela preservação”, comenta.
Ele sempre faz uma viagem prévia para conhecer o lugar da expedição e ter noção das dificuldades que o grupo encontrará, como fez em 2018 antes da expedição para fotografar a aurora boreal no norte da Noruega e na Finlândia. “Cada expedição pede uma preparação. Sempre tem alguma particularidade que requer algo específico em termos de equipamento e técnica. Nesses workshops, tenho um canal direto para conversar com os inscritos bem antes da partida. É o momento em que o equipamento de cada um é analisado de acordo com a expectativa em termos de fotografia”, esclarece.
Ele dá como exemplo a viagem à região do Círculo Polar Ártico, onde o objetivo principal era registrar a aurora boreal e, para tanto, todos sabiam que seria necessário muito tempo de exposição ao frio em temperaturas extremas (chegaram a pegar -37 oC). Nas conversas, percebeu que algumas pessoas não gostariam de carregar a mochila pesada, além do peso de toda a roupa polar, a cada parada. E entrar com a câmera gelada, fora da mochila, no veículo aquecido, significa condensação nas lentes, o que poderia arruinar uma boa oportunidade com a aurora boreal, fenômeno efêmero. “Para contornar isso, instituímos o uso de pequenas bolsas plásticas para que a câmera nunca ficasse exposta diretamente ao ar quente após cada saída para fotografar”, explica.
Ele voltou recentemente de Tonga, no Pacífico Sul, para onde vai levar em breve uma turma para fotografar as baleias jubarte. Entre questões que apurou, escolheu os barcos mais adequados para fotógrafos e também detalhes como o tamanho das nadadeiras a serem usadas. “É que para fotografar a jubarte é preciso nadar até elas pela superfície da água. Na prática, percebi que nadadeiras longas de mergulho livre, muito boas para afundar, não dão velocidade na superfície. Testei modelos médios que tiveram uma ótima resposta. É o que vou indicar aos participantes, antes da viagem”, explica.
Entre as viagens para seus projetos pessoais de longo prazo, como a documentação de populações tradicionais (como está fazendo na Coreia do Sul) , e o comando de expedições (como a que está prevista para a Patagônia em maio próximo), Luciano Candisani há muito deixou de ser o clássico fotógrafo de natureza e vida selvagem. Profissional completo, inclusive atuando também como filmmaker, ele prova que acima de rótulos há o talento do fotógrafo para múltiplas tarefas, inclusive a de saber ensinar – já que muitos até tentam, mas não sabem.
Matéria publicada originalmente em Fotografe Melhor 270