04-2019
Primeiros passos para explorar o céu à noite
Por Adriano Kirihara
Um tiro no escuro. Registrar o acúmulo do tempo numa única imagem. Explorar o movimento, as mudanças atmosféricas, o inesperado e até o inexplicável. É disso que se trata a fotografia noturna de estrelas e de longa exposição. Esses são apenas alguns dos atrativos que seduzem fotógrafos a pegar a câmera e passar horas em meio à natureza durante a escuridão da noite.
Esse segmento da fotografia noturna (também chamado de astrofotografia) tem despertado muito o interesse de quem busca uma imagem única e com certo tom de poesia. Fotografar as estrelas e seus movimentos, desafiando os níveis baixos das luzes, é o que torna esse tipo de imagem admirada. Existem várias técnicas para obter esses registros, e cada fotógrafo tem um jeito particular de fazê-los. Aqui vou contar um pouco do que aprendi nas minhas investidas à noite em busca das estrelas.
Equipamentos
Como se trata de fotografia de longa exposição e à noite, o tripé é um acessório obrigatório, pois manter a câmera estável é essencial. Quando é possível, levo sempre duas câmeras, uma EOS 5D Mark III e uma EOS 7D, ambas da Canon. Com relação às lentes, já que também é fotografia de paisagem, prefira as grandes angulares. Levo geralmente a Canon 16-35 mm f/2.8 quando estou fotografando com a full frame, ou a Canon 10-22 mm f/3.5-5.6 quando uso a câmera cropada, de sensor APS-C. Mas nada impede o fotógrafo de utilizar a lente que estiver ao seu alcance, pois até com uma lente básica como a 18-55 mm ou 24-105 mm é possível fazer um recorte interessante com uma boa composição.
Na minha mochila ainda vão os seguintes itens: controle remoto (ou cabo disparador, caso sua câmera não tenha um intervalômetro embutido), lanternas, bússola, toca plástica para o cabelo para proteger a câmera da cerração, papel celofane (várias cores), saco estanque, repelente e água.
Ajustes da câmera
A primeira pergunta de quem nunca fez esse tipo de foto é: como ajustar a câmera? Sempre fotografo em RAW, que tem um alcance dinâmico maior. Depois transformo em JPEG se necessário. Deixo a câmera em modo de exposição Bulb (B) ou em manual, programado para 30s. Se o modelo da sua lente tiver sistema de estabilização (o IS na Canon) ou redução de vibração (o VR da Nikon), você deve desativá-lo. Também é essencial desligar o modo de redução de ruído de exposições longas, já que essa opção sobrecarrega o buffer e a câmera para quando você está capturando imagens em sequência. Não esqueça também de tapar o viewfinder (visor traseiro) para não correr o risco de ter uma interferência de luz.
Há duas opções para fotografar o Star Trail (trilhas das estrelas), aquela imagem em que o movimento dos corpos celestes deixa rastros no céu. A primeira é fazer uma sequência de fotos com intervalos de 30 segundos e depois empilhá-las em programas de edição que explicarei em outro artigo. Os ajustes são praticamente os mesmos, sendo que nesse caso uso ISO 800 e a maior abertura possível da lente.
Há ocasiões em que começo com uma configuração de abertura entre f/8 e f/5.6. Depois, conforme vai escurecendo, vou ajustando a fotometria. Como a ideia é trabalhar com uma sequência de fotos, você pode usar um disparador com timer embutido ou um cabo disparador. Se for usar o cabo, você deve colocar sua câmera na função de disparo contínuo em alta velocidade, que na Canon é indicada pela letra “H” e pressionar e travar o botão do disparador que estiver usando. Automaticamente, a câmera irá fotografar em sequência – a menos que você interrompa, destravando o botão do cabo. Lembre-se de que a câmera deve estar programada para disparar exposições de 30 segundos cada. A quantidade de trilhas será de acordo com o tempo de captura. Quanto mais tempo, maiores serão as trilhas das estrelas.
A segunda opção de captura é deixar o obturador aberto durante toda a exposição. Para isso, você deve ajustar a câmera no modo B (Bulb) e apertar e travar o botão do cabo disparador. Com 30 minutos já é possível capturar as trilhas, mas você pode ficar de duas a três horas (ou até mais), se preferir. Quanto mais tempo deixar o sensor exposto, mais longo será o rastro das estrelas. Ao contrário do método anterior, neste você precisa estar num lugar extremamente escuro, com a menor iluminação ambiente possível. As luzes de uma cidade próxima podem comprometer a imagem, deixando-a com poucas estrelas e bastante ruído.
Para fotos da Via Láctea geralmente uso ISO 3.200 e a maior abertura da lente. A velocidade do obturador deve variar entre 20 e 30 segundos. Procure não passar dessas velocidades senão você terá estrelas borradas. Na dúvida, existe um cálculo matemático simples de ser feito e que serve de parâmetro para conseguir melhores resultados em relação ao equipamento que você pretende usar: a “regra dos 500”.
Você divide 500 pela distância focal da lente que estiver usando e o resultado será o tempo máximo em segundos de exposição que você pode deixar antes de as estrelas começarem a fazer rastros na imagem capturada. Por exemplo, se estiver usando uma lente numa distância focal de 16 mm, a conta a ser feita é 500 ÷ 16 = 31,25 segundos, ou seja, com essa distância focal você poderá deixar cerca de 30 segundos de exposição. Isso se estiver usando uma câmera full frame. No caso de uma câmera com sensor APS-C (cropada), você deve dividir o resultado pelo fator de corte da sua marca. Na Canon é de 1,6 e na Nikon 1,5. Exemplo 500 ÷ 16 = 31,25 ÷ 1.6 = 19,53 segundos. Ou seja, com o sensor APS-C o tempo de exposição deve ficar na casa dos 20 segundos.
Planejamento
Fotografar à noite é sem dúvida uma experiência única. No caso de estrelas, há um grande problema: a condição meteorológica. Nem sempre é possível encontrar um céu limpo sem a presença de nuvens ou outros eventos que possam interferir na imagem. Alguns fatores precisam ser pensados antes de sair de casa: nuvens, sol (que horas irá se pôr), fase lunar (observar o horário em que a lua está nascendo ou se pondo, onde ela vai nascer)… São cuidados que devem ser tomado para garantir sucesso na empreitada.
Por sorte, hoje existe a ajuda da tecnologia por meio de vários aplicativos que estão nos smartphones e que são muito úteis na hora de fotografar. Um deles é o Photoephemeris (http://photoephemeris.com). Nele é possível ver informações do sol e da lua, inclusive com horários e até posição dos astros. Há outros aplicativos para diversas plataformas com informações da fase lunar do momento, em que dá para saber o grau de luminosidade de determinado dia.
Se a ideia é fazer fotos de Star Trail, existem aplicativos bastante úteis, como o Star Chart e o Skyview, que mostram a carta celeste onde facilmente se encontram os astros e as constelações.
Esses aplicativos (apps) são muito importantes para o fotógrafo localizar o Cruzeiro do Sul e decidir a composição da imagem antes mesmo de escurecer. É por intermédio do Cruzeiro do Sul que se encontra o polo sul celeste, já que o Brasil fica no hemisfério sul. Os polos celestes apresentam a característica de permanecerem fixos no céu, enquanto os outros pontos (estrelas) parecem girar em volta deles.
achar o sul celeste
Para encontrar o sul celeste, o primeiro passo é achar o Cruzeiro do Sul. O ideal é fazer isso ainda de dia, apontando o smartphone para o céu usando os aplicativos citados no tópico anterior (ou outro app de sua preferência que mostre a carta celeste). Com a constelação no visor do celular, é possível identificar a Alpha Crucis (Acrux ou Estrela de Magalhães), que está mais afastada da constelação. Tomando como base a cruz imaginária formada pelo Cruzeiro do Sul, você traça do centro uma linha reta também imaginária até a Acrux e, a partir daí, outra linha cerca de 4,5 vezes maior. Assim, chega-se ao polo sul celeste (veja a ilustração na página anterior).
Feito isso, fica fácil saber onde será o ponto central em que as estrelas girarão em volta para fazer a composição da cena. Se já estiver de noite, ao visualizar o Cruzeiro do Sul, você pode fazer o traçado com os dedos. Do meio da constelação até a Acrux, marque a distância da largura de um dedo. Depois, prossiga em linha reta mais quatro dedos e meio. Você também pode usar diante dos olhos, como marcação, uma pequena régua ou um palito de fósforo com marcações.
De olho na lua
Como a lua é um astro iluminado pelo sol e próximo da Terra, funciona como se fosse um grande rebatedor de luz. Por isso, prestar atenção nas fases da lua e no horário em que ela irá nascer é importante. Para fotografia de estrelas, a melhor fase é quando a incidência de luz é menor ou quase nada como nos primeiros dias da lua nova. Alguns aplicativos inclusive mostram em percentual o quanto de luz a área da lua está refletindo. Por isso, sempre estou de olho na fase lunar quando vou a campo para fotografar. O horário em que a lua nasce e se põe também é importante, pois se ela estiver se pondo antes de anoitecer não vai haver influência.
Com as informações levantadas sobre a fase lunar, vai aqui uma dica: mesmo que ela esteja numa fase como a cheia, você pode usar isso a seu favor. Supondo que você começará a registrar o céu assim que o sol se pôr, por volta das 18h, já sabendo que a lua nascerá às 21h, então, há tempo suficiente para fazer a captura de imagens, caso a intenção seja fotografar as trilhas de estrelas com várias exposições de 30 segundos. Quando a lua nascer, você ainda pode fazer alguns cliques e aproveitar a luz lunar para iluminar o ambiente, destacando a paisagem.
Composição
A composição é um dos elementos que tornam esse tipo de imagem atraente. Procure sempre ter um primeiro plano interessante. Árvores, porteiras, construções abandonadas ou em ruínas, barcos… Ao incluir harmoniosamente outros elementos, a composição se torna mais rica e desperta sensações no observador.
Durante a captura das imagens, você pode, com o auxílio de uma lanterna, iluminar o primeiro plano e até usar a criatividade com cores, colocando papel celofane colorido à frente da lanterna. Além da lanterna, você pode disparar o flash várias vezes para também iluminar a cena se o primeiro plano for amplo. A regra dos terços é uma técnica bastante interessante na hora de compor, mas não se prenda a ela. Arrisque ângulos diferentes e inusitados, pois você pode ter um resultado surpreendente.
Foco
O foco é um dos grandes desafios para quem fotografa à noite. No escuro, se estiver usando no automático, será quase impossível acertar. Por isso, se conseguir, chegue mais cedo ao local ainda com o dia claro – uma das vantagens é conhecer o ambiente e poder explorar as muitas possibilidades na hora de compor a imagem. Escolhido o local, faço o foco geralmente no primeiro plano e passo para o manual – e daí, não mexo mais. Alguns fotógrafos chegam a usar um pedaço de fita adesiva na lente para travar o foco.
Mas, caso não seja possível chegar de dia ao local, jamais desista de fazer a foto. Em situações assim, geralmente jogo luz no primeiro plano com uma lanterna e faço o foco automático nesse ponto iluminado. A seguir, desativo o foco automático para que não saia do ponto ou tente focar novamente quando eu for acionar o botão de disparo. Outra forma de focalizar é usar o live view via monitor traseiro da câmera. Nesse caso, dê um zoom no assunto principal ou numa estrela brilhante (com o botão de zoom do live view, e não o zoom da lente) e faça o foco manualmente.
Se mesmo assim não obtiver sucesso no foco, outra opção é acionar o foco infinito da lente. Para isso, coloque a objetiva em foco manual e gire o anel de foco até a marca do infinito – lembrando que nem todas as lentes têm essa opção. Se for o caso, trave o foco com uma fita adesiva na lente.
Para quem nunca foi a campo fotografar o céu e as estrelas, pode ser que na primeira vez não saia como o esperado. Não desista. Dominar a técnica exige prática, paciência e dedicação. Com o tempo e a experiência, certamente você poderá se considerar um bom astrofotógrafo.