02
10-2017

O segredo das paisagens submersas

Em fotografia subaquática, as imagens captadas num plano mais aberto são chamadas de panorâmicas, e focam aspectos do universo marinho, como cardumes

Em fotografia subaquática, as imagens captadas num plano mais aberto são chamadas de panorâmicas, e focam aspectos do universo marinho, como cardumes

Ao contrário das panorâmicas feitas na superfície, em que o fotógrafo une várias imagens montando uma grande paisagem, as panorâmicas subaquáticas são compostas por uma única foto. Em relação às demais imagens feitas embaixo d’água, a panorâmica é diferente em dois aspectos: é capturada com objetiva supergrande angular, em vez de macro, e retrata planos mais abertos.

“O comum na fotografia subaquática são imagens feitas próximas do tema. Quando a imagem é em um plano mais aberto é chamada de panorâmica, lembrando que esses planos raramente alcançam mais do que cinco metros de distância entre o primeiro e o último”, explica o fotógrafo Ary Amarante, que se dedica ao segmento desde a década 1990 e é autor de dois livros sobre o assunto: “Foto Sub Digital Básica e Avançada” e “Guia de Fotografia e Identificação de Peixes Marinhos” (ambos lançados de forma independente). As panorâmicas subaquáticas geralmente mostram mais do universo marinho, como recifes de corais, navios naufragados, grandes animais e cardumes.

Cavernas marinhas, recifes de corais, navios naufragados e grandes animais marinhos são temas explorados nas panorâmicas subaquáticas

Cavernas marinhas, recifes de corais, navios naufragados e grandes animais marinhos são temas explorados nas panorâmicas subaquáticas

Para realizá-las, Ary costuma usar na sua Nikon D800 lentes com cobertura em ângulos de 160o a 180o em diagonal, como a fisheye Tokina 10-17 mm f/3.5-4.5 e a Nikon 16-35 mm f/4 – esta quando quer planos um pouco mais fechados e com menor distorção, como naufrágios, cardumes, mergulhadores. São fundamentais para cobrir uma área ampla, pois usar o sistema de múltiplas imagens para fazer panorâmicas, como em cenários terrestres, seria impossível debaixo d’água, pois não daria para fixar um tripé que garantisse a linearidade dos registros em sequência. “Na panorâmica subaquática também não é interessante usar acessórios típicos para fotos na superfície, como polarizadores ou filtros de densidade neutra”, diz Ary.

A fim de evitar a distorção provocada por esse tipo de lente em motivos com linhas retas, como naufrágios, o fotógrafo busca deixar as linhas mais para o centro do quadro. Como essas lentes não costumam ser tão luminosas, outro equipamento essencial é ter poderosos flashes específicos para fotografia submarina – Ary usa o Inon Z240. “A água funciona como um filtro, reduzindo não só a intensidade da luz, mas também subtraindo as cores quentes, como o vermelho, o laranja e o amarelo. O azul é a última cor a ser filtrada, por isso as imagens tendem a ser mais azuladas. O flash, nesse caso, é importante para trazer de volta a cor filtrada pela água”, explica. Para compensar lentes mais escuras em águas mais profundas, um ISO mais alto, como 400, é uma boa solução para clarear as áreas onde o flash não atinge, ensina Ary.

Para fugir de grandes distorções, o fotógrafo subaquático centraliza o assunto no quadro, como nesta imagem feita no píer de uma ilha no Carine Holandês

Para fugir de grandes distorções, o fotógrafo subaquático centraliza o assunto no quadro, como nesta imagem feita no píer de uma ilha no Carine Holandês

Cor forte só de perto

Como o flash para fotos subaquáticas é superpotente, Ary consegue resgatar as cores quentes de corais e dos peixes, mas apenas dos objetos que estão mais próximos, a cerca de um a dois metros de distância. O que estiver mais distante começa a perder a cor vibrante, ficando com tom mais pálido (o vermelho fica amarronzado, o laranja e o amarelo vão empalidecendo e esverdeando) até perder totalmente a tonalidade original.

Outro recurso que pode ser aproveitado, mas é pouco utilizado por Ary, são os filtros cor de laranja em águas azuis, como as do Caribe, e filtros magenta em águas esverdeadas, como do litoral do sudeste do Brasil, específicos para imagens submarinas. Esses acessórios ajudam a reequilibrar as cores perdidas. No entanto, é um recurso que, depois dos softwares de edição, passou a ser pouco usado pelos fotógrafos do segmento.

Outra função primordial do flash em fotos subaquáticas é resgatar cores que podem se perder com a água, que funciona como uma espécie de filtro

Outra função primordial do flash em fotos subaquáticas é resgatar cores que podem se perder com a água, que funciona como uma espécie de filtro

“A combinação da luz natural com flashes subaquáticos e o posicionamento destes em relação à lente são as principais técnicas de fotos panorâmicas submarinas”, explica. A luz da superfície, que é sempre mais forte do que a difundida na água, gera uma contraluz que possibilita ajustar uma velocidade maior e uma abertura menor. Desse modo, é possível trabalhar com uma boa profundidade de campo e conseguir um atraente fundo azul. Para mostrar mais da paisagem e registrá-la em diferentes planos, o melhor é não ter o sol no enquadramento. O ideal é que o sol fique atrás, como em fotos fora d’água.

Abrir bem o diafragma e ajustar uma velocidade baixa, recurso usado para fotografar diante de baixa condição de luz na superfície, não é uma boa opção dentro d’água. Por conta dos movimentos do próprio mergulhador, dos temas e da correnteza, Ary aconselha a não fazer fotos com velocidade inferior a 1/60s. “Muitas vezes, o mergulhador fotografa sem apoio algum. E deve bater as nadadeiras para vencer a correnteza e manter o equilíbrio, por isso não é recomendado fotografar com velocidades muito baixas”, ensina.

Um flash potente é um acessório fundamental para as panorâmicas subaquáticas, pois ilumina o primeiro plano, geralmente escuro e na contraluz, como neste caso

Um flash potente é um acessório fundamental para as panorâmicas subaquáticas, pois ilumina o primeiro plano, geralmente escuro e na contraluz, como neste caso

Em caso de uma cena com animais em movimento, o profissional sugere regular a câmera com no mínimo 1/120s. Uma das variáveis que podem ser ajustadas é o ISO, mas Ary diz que aumentar a sensibilidade deve ser sempre o último recurso – a não ser que a câmera tenha uma boa performance em ISO alto.

Também com o intuito de não perder muito do azul profundo das águas, ele sempre ajusta a câmera com um ponto a menos na exposição do que o recomendado pelo fotômetro. “Caso siga a exposição indicada pelo fotômetro, o azul fica com uma cor muito clara, como a do céu. E, para não perder esse tom do fundo da água, prefiro compensar com uma leve subexposição”, explica.

Foto de animais em movimento embaixo d’água, como esta grupo de leões-marinhos exigem velocidade de pelo menos 1/125s, ensina o especialista

Foto de animais em movimento embaixo d’água, como esta grupo de leões-marinhos exigem velocidade de pelo menos 1/125s, ensina o especialista

Entre a água e o ar

Quando a foto é dividida, metade submersa e metade fora d’água, é preciso usar um domo transparente (um acessório que parece uma esfera partida ao meio) para corrigir a refração – fenômeno que ocorre quando a luz muda de meio, no caso, da água para o ar. “É necessário um casamento perfeito entre a frente da caixa-estanque (o domo) e a lente no seu interior para evitar a perda de ângulo e distorções. Também pode-se recorrer a uma lente especial, para uso direto na água, acoplada na caixa-estanque, no caso de câmeras compactas em que a troca de lente não é possível”, explica.

Em fotos metade dentro e metade fora da água é necessário usar um domo para corrigir as distorções causadas pela refração, fenômeno que ocorre quando a luz muda de meio

Em fotos metade dentro e metade fora da água é necessário usar um domo para corrigir as distorções causadas pela refração, fenômeno que ocorre quando a luz muda de meio

Em casos assim, ao fotografar no formato RAW, Ary faz a medição de luz no limite para estouro do céu fora do ambiente aquoso de forma a maximizar a exposição da parte submersa. “O objetivo é registrar o máximo de detalhes na parte submersa mesmo que o céu fique um azul lavado. Depois, trabalho as cores e o contraste na pós-produção”, diz. Por isso é importante fazer em RAW todas as fotos dentro ou fora d’água para facilitar a edição.

É inevitável que essas imagens passem por um retoque: tirar um pouco do excesso do azul, ressaltar as cores que estão apagadas, corrigir o equilíbrio de branco e trabalhar um pouco mais o contraste. Embaixo d’água há menos contraste entre os elementos e nota-se pouca sombra, pois a luz é muito difusa. Essa é uma das razões que torna o tratamento posterior importantíssimo. Depois do tratamento, as cores ficam mais vivas e os elementos do mundo submerso ganham mais contorno, volume e contraste.

Fotos: Ary Amarante

Aqui, um fotógrafo subaquática leva a câmera com na caixa-estanque com domo e dois flashes presos a braços laterais

Aqui, um fotógrafo subaquática leva a câmera com na caixa-estanque com domo e dois flashes presos a braços laterais

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