09-2017
Corpo integrado com a paisagem
Era verão de 1963 e o jovem Arno Rafael Minkkinen, 18 anos, aproveitou o dia de folga do trabalho como salva-vidas em um acampamento de escoteiros e viajou cerca de 30 km para assistir a 8 1/2, de Federico Fellini, em um cinema de Nova York. O surrealismo do clássico do cinema italiano e mundial influenciaria para sempre o jovem imigrante finlandês, que na época sonhava em escrever um grande romance americano, ideia que caiu por terra ao descobrir, aos vinte e poucos anos, que “queria ser um artista de si mesmo”. Ou seja, fazer ousados autorretratos mimetizando seu corpo em paisagens inóspitas ou em situações inusitadas. “A câmera me trouxe a possibilidade de escrever esse romance com imagens em vez de palavras”, diz.
Minkkinen nasceu na Finlândia em 1945 e mudou-se com a família para os Estados Unidos em 1951. As primeiras fotos que fez, segundo ele, eram as mesmas que via nas revistas e propagandas, que retratavam cavalos, vacas, cidades, pessoas… “Quando as imagens entravam no meu visor, deveria pensar nelas da mesma forma que tinham me ensinado a escrever na escola, quando estudei Hemingway: fazê-la de modo curto, simples e com frases extremamente elegantes”, lembra.
A fim de encontrar um estilo e aprimorar o seu conhecimento fotográfico, ele tentou entrar três vezes na escola Rhode Island School of Design até ser aceito em 1971. Para saber com quem poderia estudar, o jovem foi ao Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) para olhar os trabalhos dos fotógrafos que lecionariam naquele ano. E o time não poderia ser melhor: Robert Frank, Bruce Davidson, Aaron Siskind, Paul Caponigro e Diane Arbus.
Minkkinen aprendeu um pouco sobre cada um, mas ficou estupefato com o trabalho de Arbus. Inscreveu-se então para assistir às suas aulas, que infelizmente não ocorreram: Arbus morreu em julho daquele ano. Quem a substituiu no semestre foi John Benson, que ao ver as fotos do jovem fotógrafo disse sorrindo: “Pegue um dia de folga”. Minkkinen seguiu o conselho do professor e não fez nada na quarta-feira. Quando acordou na quinta pela manhã, produziu o primeiro autorretrato com seu corpo totalmente nu refletido em um espelho num gramado. “Hoje, quase meio século após ter feito essa foto, olho para ela e percebo que pouca coisa mudou na maneira como faço as minhas imagens”, diz.
O fascínio pelas paisagens se deu quando Minkkinen fez uma viagem para a Finlândia em 1973. Aquela era a primeira vez que ele voltava para a terra natal desde que havia emigrado com os pais para os Estados Unidos. “As memórias da infância saltaram na minha mente. Não conseguia acreditar quão lindos eram os lagos e florestas da Finlândia. Ainda não era um fotógrafo profissional, mas aquelas imagens passaram a fazer parte das minhas referências visuais”, lembra.
Depois que se formou, ele foi convidado para dar aula na Universidade de Arte e Design de Helsinki, capital finlandesa, onde ministra algumas aulas até hoje, embora atualmente esteja baseado em Massachusetts (EUA), onde leciona na University of Massachusetts Lowell . Nesse período, sua relação com a natureza se aprofundou, concretizando o trabalho de autorretrato inserido nas paisagens. “Minhas primeiras imagens feitas na Finlândia me confirmaram a santidade da nudez. A nudez essencial que rodeia tudo na natureza nos rodeia também”, escreveu no livro Homework: The Finnish Photographs, frase que sintetiza bem todo o seu trabalho.
Confiar na câmera
Embora o fotógrafo diga que continua a fazer imagens do mesmo jeito que fazia quando começou, o grau de dificuldade dos autorretratos foi aumentando. Imerso na água, à beira de um penhasco, em cima de árvores, enterrado na neve… E ele os faz, em 99% das vezes, sozinho. O único assistente é um tripé. “Muitos autorretratos são difíceis de realizar. Alguns podem até ser perigosos. E não quero ter alguém correndo riscos e assumindo perigos. Nós sabemos o quanto podemos tolerar de dor e nos arriscar, mas não sabemos o que o outro pode aguentar. Algumas das minhas fotos podem parecer simples, porém, na realidade, elas testam qual é o limite do corpo humano”, explica.E o segredo para realizá-las é confiar no que a câmera está vendo.
O primeiro equipamento de Arno Minkkinen foi uma Linhof 4×5 herdada do pai. “Era como dirigir uma Ferrari sem ter carteira de motorista”, brinca. De meados dos anos 1960 até o começo da década seguinte, ele foi redator em uma agência de publicidade. E calhou de trabalhar para a marca Minolta, para a qual criou o slogan: “O que acontece dentro de sua mente pode acontecer dentro de uma câmera”, e acabou se apaixonando por fotografia. Devido a esse envolvimento com a marca, Minkkinen tinha à sua disposição lentes e câmeras da Minolta.
Com uma Minolta SRT 101 fez os primeiros trabalhos. Ele usou ainda uma Minolta Autocord, uma Pentax 6×7 com empunhadura de madeira até se render aos equipamentos digitais. Hoje usa uma Canon DSLR profissional.
Nove segundos
Se para muitos fotógrafos uma imagem surge a partir de um assunto, para Minkkinen, só começa quando ele pode ser o tema. “Componho a foto no visor. A partir da cena, imagino como posso me inserir nela depois. Uma vez que já tenho tudo planejado, o mecanismo acionado é o auto-timer”, diz. Em média, o fotógrafo tem apenas 9 segundos para se posicionar antes de a câmera disparar. Nos trabalhos em que precisa ficar debaixo d’água ou se enterrar na neve, costuma levar um disparador remoto para ganhar um pouco mais de tempo para posar. “Mas seja qual for a metodologia que eu escolha, tenho de imaginar o que a câmera vai capturar quando for acionada”, ressalta.
Metade do resultado é de responsabilidade dele, e a outra metade é do equipamento. “Aprendi a confiar no que a câmera e a lente enquadram no momento do disparo. O que foi capturado é o que o espectador verá”, resume, alertando para o fato de que não há manipulação em suas fotos. Antes, ele precisava esperar cerca de duas semanas para saber o resultado. Hoje, com o equipamento digital, essa surpresa foi antecipada para minutos depois da execução. Contudo, para Minkkinen a emoção é a mesma. “A esperança e a apreensão não mudaram. É sempre tão emocionante, e essa emoção é a força motriz que me mantém trabalhando durante esses 45 anos”, diz o fotógrafo finlandês.
Fotos: Arno Rafael Minkkinen