05-2023
Os bastidores da Casa Branca pelo olhar do fotógrafo da presidência
O americano Pete Souza, neto de portugueses, pode se considerar um privilegiado, já que é o único fotógrafo do planeta a conviver 14 anos com o “homem mais poderoso do mundo”, no caso, o presidente dos Estados Unidos. A primeira experiência foi em 1983, quando tinha 29 anos de idade, no governo do republicano Ronald Reagan, com o qual trabalhou até 1989. Quase 20 anos depois, em 2008, ele retornou à Casa Branca como fotógrafo oficial do democrata Barack Obama e com ele cumpriu dois mandatos, até 2016.
A “parceria” com Obama rendeu cinco livros de fotografia, o mais recente lançado nos EUA no final de 2022: “The West Wing and Beyond: What I Saw Inside the Presidency” (em tradução livre, “A Ala Oeste e Além: O que Vi Dentro da Presidência”). Disponível na Amazon (assim como os demais), nele Souza mostra os bastidores do poder com seu olhar talentoso, treinado e aguçado, uma aula de como ser um fotógrafo oficial sem perder o vínculo com o bom e velho fotojornalismo.
Na apresentação do livro, Pete Souza mostra suas credenciais de vivência: acredita que passou mais tempo no Salão Oval da Casa Branca do que qualquer pessoa na história, excluídos ex-presidentes de dois mandatos. Apenas no governo Obama, Souza estima que esteve no gabinete onde o presidente trabalha por mais de 25 mil horas, com acesso a uma visão única “de como a democracia realmente funciona”, diz. São cenas de bastidores nunca antes vistas da vida na Casa Branca, além de momentos de viagens com o presidente por todas as partes do país e por vários lugares no mundo.
A relação com Obama e sua equipe, aliás, vem desde 2004, quando Pete Souza foi contratado para um projeto que documentasse o primeiro ano do político afro-americano como senador dos EUA. Depois, cobriu o tempo que ele passou como senador, seguindo-o em muitas viagens ao exterior. Nesse processo, não só se aproximou de Obama como acabou sendo testemunha ocular de sua caminhada rumo à presidência – em 2008, publicou o primeiro livro, best-seller na área de fotografia: The Rise of Barack Obama (em tradução livre, A Ascensão de Barack Obama).
Com Obama eleito, Souza foi convidado para ser fotógrafo oficial da Casa Branca e, em janeiro de 2009, produziu o novo retrato presidencial de Obama, o primeiro com uma câmera digital. Nesse período com o presidente democrata, o fotógrafo fez uma imagem que se tornou icônica e foi publicada em centenas de veículos de imprensa mundo afora: às 16h06 do dia 10 de maio de 2011, na Sala de Situação da Casa Branca, ele registrou o momento do ataque ao terrorista Osama bin Laden acompanhado por Obama, o vice-presidente Joe Biden, a secretária de Estado Hillary Clinton e outras pessoas do alto escalão.
Incluído em listas como uma das pessoas mais poderosas e menos conhecidas de Washington, o fotógrafo lembra que gerava quase 20 mil imagens por semana. Com tanto material, ele passou a produzir livros com a devida autorização da presidência. Depois de quatro em que Obama foi protagonista, a nova publicação segue outro caminho – nas poucas vezes em que o antigo chefe aparece, é visto por trás ou fora de foco. O objetivo do fotógrafo agora é mostrar uma visão única sobre as pessoas e os lugares que mantêm a presidência funcionando – é também um olhar de dentro da “bolha presidencial”. Ele atribui essa perspectiva a sua formação de fotojornalista de jornais e revistas: olhar para as bordas do que estava ocorrendo, e não apenas cobrir o que estava à frente.
Em resumo: nada acontece sem o trabalho duro de muitas pessoas, o que é um dos pontos fortes do livro – estruturado a partir da Casa Branca, suas salas e espaços famosos, destacando o papel dos ajudantes do presidente, funcionários diversos, como chefs e jardineiros. “É realmente sobre o funcionamento interno da Casa Branca, não apenas da equipe de Obama, mas de muitos servidores públicos e militares. Tenho fotos dos comissários do avião presidencial, das pessoas que trabalham na residência oficial há décadas e assim por diante”, explica.
Pete Souza afirma que o trabalho foi um desafio constante do ponto de vista criativo, pois a Ala Oeste da Casa Branca é bem menos interessante visualmente do que aparece na TV e nos filmes. “Além dos locais famosos, como o Salão Oval, a Sala do Gabinete, a Sala Roosevelt e a Sala da Situação, grande parte do complexo é composto de escritórios sem janelas”, comenta. O olhar de Souza para o que estava ocorrendo nas bordas transmite bem o clima do momento captado, que inclui cenas em que a linguagem corporal revela tensão, preocupação ou descontração.
Para Pete Souza, um bom profissional para trabalhar na Casa Branca (ou na cobertura oficial de um presidente) precisa ter experiência em fotojornalismo e ainda ter capacidade de “desaparecer”, ou seja, não ser notado – detalhes como não usar câmeras barulhentas ajudam nisso. “Você é um observador, não um participante. Deve aprender a se movimentar nessas circunstâncias”, ensina.
Confessa que em alguns momentos na Casa Branca largou a câmera e optou por não fotografar, especialmente em situações familiares, quando, segundo ele, é preciso dar algum espaço ao presidente. “Fotografava momentos em família, mas, se o presidente estivesse conversando com uma das filhas, fazia algumas imagens e depois me afastava. Era uma sensação intuitiva de quando alguém precisa de um pouco de espaço. E com Obama geralmente envolvia a família”, explica.
Também não esconde que foi testemunha de alguns fatos que tem de manter em sigilo, pois essa é a natureza do seu trabalho e parte disso envolve segurança nacional. Diz que há certas coisas que jamais poderá revelar, a menos que sejam desclassificadas como informações confidenciais. “A maior parte delas é escrita, são documentos aos quais não tive acesso. Mas eu estava na sala quando se falava de informações confidenciais”, revela. Cita como exemplo a reabertura de relações com Cuba. Ele sabia com um ano de antecedência porque os dois principais negociadores se reportavam ao presidente a cada mês ou dois, e ele participava dessas reuniões.
Quanto ao poder de imagens de um governo ajudarem a moldar a maneira como a história o vê, ele tem certeza disso. Cita Michelle Obama, que dizia que a presidência “não muda quem você é, ela revela quem você é”. As fotos dos bastidores de um presidente revelam o caráter dessa pessoa, acredita Pete Souza. “Isso é bem claro. Desde o governo Kennedy, nos anos 1960, temos uma boa ideia de como são os presidentes e seu verdadeiro caráter com base nessas imagens”, opina.
Peter Joseph Souza nasceu em New Bedford (31 de dezembro de 1954) e cresceu em South Dartmouth, ambos em Massachusetts. Filho de uma enfermeira e de um mecânico de barcos, tem ascendência portuguesa: ambos os avós emigraram dos Açores. É bacharel em Comunicação Pública pela Universidade de Boston e mestre em Jornalismo e Comunicação de Massas pela Universidade do Kansas. Foi diretor do Gabinete de Fotografia da Casa Branca durante o mandato de Ronald Reagan (1983 a 1989) antes de trabalhar com Barack Obama. De 1998 a 2007, foi fotógrafo do The Chicago Tribune, na sucursal de Washington.