03-2023
Evandro Teixeira ganha grande exposição no IMS Paulista
Evandro Teixeira, 87 anos, tem muita história para contar. Mestre do fotojornalismo brasileiro, trabalhou como repórter fotográfico por quase seis décadas, sendo 47 anos apenas no extinto Jornal do Brasil. Seu olhar atrás das lentes registrou uma variedade grande assuntos, de celebridades, como a Rainha Elizabeth II, a momentos do esportes, da cultura, do cotidiano e, claro, da política, em especial os tempos da ditadura no Brasil e as manifestações contrárias ao regime militar. Esteve presente ainda em uma cobertura internacional histórica: a do golpe militar no Chile em 1973. Em Santiago, produziu imagens impactantes das ruínas do Palácio De La Moneda depois de bombardeado pelos militares, dos prisioneiros políticos no Estádio Nacional em Santiago e do enterro do poeta Pablo Neruda – material que o levou a ser homenageado pelo presidente chileno Ricardo Lagos no início dos anos 2000, já no período de redemocratização do Chile.
Essas imagens históricas, feitas durante essa etapa traumática para os chilenos, são o destaque da exposição Evandro Teixeira, Chile, 1973, que será aberta hoje, 21 de março, e fica em cartaz até dia 30 de julho de 2023 na sede de São Paulo do Instituto Moreira Salles (Av. Paulista, 2.424). A mostra reúne cerca de 160 fotos em P&B, livros, fac-símiles e outros objetos, como máquinas fotográficas e crachás de imprensa. Além da cobertura realizada no Chile, a exposição apresenta imagens produzidas por Evandro durante a ditadura militar brasileira, em um diálogo entre os contextos históricos dos dois países.
Evandro Teixeira, cujo acervo está sob a guarda do IMS, foi enviado ao Chile ao lado do repórter Paulo Cesar Araújo pelo Jornal do Brasil em 12 setembro de 1973, no dia seguinte ao golpe militar que levou à morte do presidente eleito Salvador Allende. Retido com dezenas de outros correspondentes internacionais na fronteira da Argentina com o Chile, fechada deliberadamente pela junta militar chilena, chegou a Santiago em 21 de setembro. Sob a vigilância dos militares, a imprensa internacional circulava por uma cidade sitiada e ocupada pelas forças militares, com rígido toque de recolher. Além de contornar a censura local, Evandro precisava revelar os filmes rapidamente em um pequeno laboratório improvisado, que instalou no banheiro do hotel onde ficou hospedado, e transmiti-las em seguida usando um aparelho de telefoto.
Entre as muitas imagens produzidas nesse período, a documentação que fotógrafo considera um dos marcos de sua carreira foi a da morte e do enterro do poeta Pablo Neruda. E aí entrou seu faro de repórter: um dia depois de chegar a Santiago, Evandro soube pela esposa de um general brasileiro, então diplomata no Chile, que Neruda estava internado em um hospital da cidade. O fotógrafo foi até o local, mas não conseguiu fazer fotos do escritor, que morreu na noite daquele mesmo dia. Na manhã seguinte, ele retornou ao local já ciente da morte e conseguiu acesso ao interior do hospital por uma entrada lateral, chegando ao local onde Neruda estava, em uma maca no corredor, sendo velado por sua viúva, Matilde Urrutia.
Evandro fotografou a cena e, em seguida, pediu permissão para a viúva, lembrando que havia fotografado Neruda anteriormente, em um encontro com o escritor Jorge Amado no Brasil. Matilde não só permitiu que ele fizesse os registros como pediu para acompanhá-la até a residência do casal, onde o corpo seria velado. “Fiz várias fotos, apavorado. Olhava em volta, pensava naquele mundo de fotógrafos em Santiago e não acreditava que só estava ali”, relembra. O brasileiro registrou naquele dia e no seguinte todas as etapas do velório e enterro do poeta, que se tornou o primeiro grande ato contra o governo de Pinochet.
Com isso, Evandro foi o único fotojornalista a registrar Neruda ainda na clínica, logo após sua morte – hoje, segundo estudos recém-publicados, parece ter sido causado por envenenamento. Sergio Burgi, curador da exposição, comenta a importância dessa série de imagens: “É uma documentação excepcional e em grande parte ainda inédita, oriunda da obstinação e audácia de um fotojornalista brasileiro que conseguiu penetrar incógnito no hospital onde se encontrava o corpo do poeta que admirava e conhecera no Brasil”.
A exposição também apresenta imagens que Evandro fez no Estádio Nacional do Chile, usado para prisão e tortura inúmeros presos políticos. Os fotógrafos foram levados pelos próprios militares para o local, em uma iniciativa oficial que visava a encobrir as violações de direitos humanos que ocorriam ali. Mas Evandro e outros colegas conseguiram driblar o cerco e registrar tanto a chegada não planejada pelos militares de novos presos políticos ao estádio quanto penetrar no subsolo do local, onde jovens estudantes foram fotografados sendo conduzidos para áreas internas.
Em outro núcleo, a mostra apresenta fotos feitas por Evandro durante a ditadura brasileira e que hoje fazem parte do imaginário sobre o período. Entre elas, estão a da Tomada do Forte de Copacabana, feita exatamente no dia 1 de abril de 1964 e as imagens das manifestações contrárias ao governo, em 1968, como a da Passeata dos Cem Mil, vetada pelos censores da época por registrar a faixa “Abaixo a ditadura, povo no poder”.
Para Sergio Burgi, o conjunto de imagens reforça a importância da prática diária do fotojornalismo como ferramenta de fiscalização do poder e preservação da memória: “A obra de Evandro Teixeira é expressão plena deste compromisso do fotojornalismo com o testemunho direto da realidade e com a liberdade de expressão e criação, essenciais tanto em nosso passado recente como ainda hoje. Passadas cinco décadas, são imagens que claramente desnudam o autoritarismo e
Serviço – Exposição Evandro Teixeira, Chile 1973
Visitação: de 22 de março a 30 de julho; 6º andar;
IMS Paulista (Av. Paulista, 2.424); entrada gratuita