10-2019
O desafio de fotografar com drone à noite
De aeromodelista a piloto de drone, o fotógrafo publicitário Heitor Florence usa sua experiência para fazer imagens aéreas noturnas com um foco em arte
Por Mário Fittipaldi
O fotógrafo paulistano Heitor Florence, 56 anos, costuma dizer que até bem pouco tempo atrás capturar imagens aéreas noturnas com efeitos de longa exposição era algo impensável. Com as novas tecnologias de estabilização de câmera, os chamados gimbals, incorporadas aos drones mais modernos e, claro, destreza na pilotagem, ele vem conseguindo bons resultados em imagens desse tipo.
Especializado em fotografia aérea, Florence atende normalmente clientes no segmento de publicidade e de construção civil. Mas é o seu trabalho autoral, com imagens noturnas de locais icônicos de São Paulo (SP), como a Avenida Paulista, nos Jardins, a Ponte Estaiada, na Zona Sul, e o Edifício Altino Arantes, no centro, entre muitas outras, que chama a atenção.
“Quando comecei a fazer fotos noturnas com drones foi uma surpresa, pois conseguia registrar a cena com nitidez e, graças à longa exposição, capturava o movimento da cidade, como o riscado das luzes dos carros passando”, explica.
Essa característica está presente, por exemplo, nas imagens capturadas na Avenida Paulista e também em imagens aéreas de um parque de diversões na Zona Leste da cidade. “As luzes dos brinquedos criaram um efeito colorido bastante interessante”, destaca Florence. “Vi que estava fazendo algo inusitado e que me dava possibilidades infinitas”, avalia. O passo seguinte foi fazer experimentos movimentando o próprio drone para obter os efeitos proporcionados pela longa exposição. “Fiz imagens rotacionando ou movimentando o aparelho verticalmente, ou inclinando a câmera… Os resultados são surpreendentes”, orgulha-se.
Pioneirismo
Filho de fotógrafo e descendente direto de Hercule Florence, pintor, desenhista e inventor isolado da fotografia radicado no Brasil, Heitor começou cedo. Já aos oito anos ajudava o pai no estúdio e até fazia algumas fotos. “Foi aí que comecei a aprender e a amar a fotografia”, lembra ele. “Por acaso, uma foto que fiz na época que mostrava um arco-
-íris nas Cataratas do Iguaçu chegou a ser usada em um anúncio do televisor em cores Telefunken”, gaba-se.
Em 1996, já com a carreira de fotógrafo profissional consolidada na área de publicidade, ele passou a se dedicar ao aeromodelismo como hobby. E daí para juntar as duas coisas, usando modelos de helicópteros radiocontrolados para fazer fotos aéreas, foi apenas um passo. “Comecei a pilotar esses helicópteros por volta dos anos 2000 e, desde meados de 2004, passei a vislumbrar a possibilidade de fazer vídeos e fotografias aéreas com eles”, conta Florence.
Segundo ele, a inspiração veio de um modelo lançado pela Yamaha para uso agrícola, que carregava um sistema para pulverizar pesticidas em áreas localizadas de uma lavoura. O fotógrafo conta que precisou de três a quatro anos de desenvolvimento de sistemas e experimentos para enfim decolar seu pequeno helicóptero com uma Canon EOS 5D Mark II adaptada. Chegou, inclusive, a criar um gimbal artesanal para estabilizar a pesada DSLR, usando giroscópios e sistemas de aeromodelismo.
Segundo o fotógrafo, era necessária ao menos mais uma pessoa na sessão de fotos para pilotar o helicóptero enquanto ele escolhia as imagens e fotografava. O piloto recebia as imagens da pequena câmera frontal da aeronave em uma tela ou diretamente em um óculos FPV (óculos de primeira pessoa, pelas iniciais em inglês), enquanto Florence acompanhava as imagens captadas pela DSLR em um monitor adaptado a uma estação de controle que ele mesmo construiu. “Um transmissor de vídeo enviava as imagens da saída VGA da Canon 5D”, explica o especialista.
Para fotografar ou capturar vídeo, Florence ajustava ISO, velocidade do obturador e abertura do diafragma antes da decolagem. A câmera voava equipada com lente 20 mm ou 28 mm em foco infinito. “Para gravar vídeo, acionava o modo de gravação ainda no solo. Já para fotos, clicava por meio de um disparador eletrônico acionado por rádio”, informa. “Como é fácil de imaginar, a estabilidade era o principal problema. Mesmo assim, foram vários anos produzindo fotos assim, até os drones aposentarem o helicóptero radiocontrolado”, afirma Florence.
Céu de brigadeiro
Mesmo com toda a tecnologia dos drones atuais, Florence observa que a estabilização da aeronave ainda é crucial para se fazer boas fotos, especialmente noturnas. “O app Sismógrafo, para iPhone, pode ser usado para medir a equivalência de vibração dos motores do drone”, ensina. Além disso, aconselha a decolar em noites com céu limpo e com o mínimo de vento possível, acrescentando que é preciso ficar de olho no tempo de exposição também, que não pode ser maior do que 1 ou 1,2 segundo. “Por melhor que seja o drone, modelo nenhum ficará estático mais do que isso”, ressalva.
Para as imagens noturnas, Florence utiliza o drone DJI Phantom 4 V2.0 Pro. “Apesar de ser um equipamento semiprofissional, tem recursos bem interessantes, além de uma boa qualidade de imagem”, avalia. “O software de controle permite muitas opções de configurações, entre elas uma opção de parar para capturar a imagem, que é bem útil para fotos à noite. Às vezes uso também o modelo S1000 de oito rotores com uma Nikon D850 acoplada, mas evito. No caso de um acidente, o prejuízo seria enorme”, justifica.
Depois de capturadas, as imagens são tratadas em pós-produção. Para isso, Florence usa basicamente o workflow do Lightroom, eventualmente abrindo uma imagem ou outra no Photoshop para corrigir alguma imperfeição. “Basicamente é isso. Uso também, conforme o caso, alguns plugins de tratamento de imagem que fui adquirindo ao longo do tempo”, comenta.
Voo seguro
Outro aspecto importante é o quesito segurança. Florence lembra que muitas das suas imagens noturnas foram feitas antes das regulações da Anac, a Agência Nacional de Aviação Civil – hoje é necessário respeitar distância mínima de 30 metros horizontais de qualquer pessoa não envolvida com a operação. “No caso das imagens na Avenida Paulista, como era bem tarde, a avenida estava vazia. Já para capturar as imagens do Edifício Altino Arantes, um cenário mais complicado devido à densidade de prédios na região central, decolei da Praça São Bento, alternando entre o modo de visão em primeira pessoa e visão em segunda pessoa para garantir um voo sem sustos”, explica.
Além do cuidado com a integridade das pessoas, o fotógrafo adverte que é preciso ainda prestar atenção ao tráfego aéreo no local onde se pretende decolar. Exatamente por isso, informa que sempre que possível trabalha com um assistente só para fazer esse monitoramento, via software FlightRadar24 – o software exibe na tela informações das aeronaves em voo, como altitude, direção e velocidade. “Desde os tempos de aeromodelista sou preocupado com segurança”, orgulha-se.
Florence é tão apaixonado pelas fotos aéreas que pensa em se dedicar só a elas, deixando o mercado de fotografia publicitária de lado. Um novo drone, maior e mais estável, com redundâncias que garantam a segurança do equipamento, está nos planos, além da vontade de investir cada vez mais em seu trabalho autoral. “Meu foco hoje é trabalhar com fotografia de arte e, dentro disso, conseguir ganhar dinheiro. Se der para me sustentar, ótimo”, projeta.
Numa viagem à Baixada Santista, descendo a Serra do Mar, ele conseguiu vislumbrar nas luzes do polo petroquímico de Cutabão (SP) “um visual de Blade Runner”, como gosta de definir. Levantou voo com o drone e transformou o cenário de fumaça e poluição em imagens artísticas.
Matéria publicada originalmente em Fotografe Melhor 268