09-2019
A genial simplicidade de Irving Penn
Exposição com 230 fotos do grande fotógrafo americano em São Paulo ensina como o menos pode ser mais em várias situações
Por Juan Esteves
As imagens do americano Irving Penn (1917-2009) são despojadas e, ainda assim, denotam raro requinte. Com composições inovadoras, a sua mais conhecida composição fotográfica traz uma forte sensação de proximidade com os retratados. Já as imagens de still life evocam obras dos grandes impressionistas. Além disso, como escreveu Roberta Smith, crítica de arte do The New York Times, são refinadas nos detalhes, da maneira que só uma fotografia poderia ser capaz de mostrar.
Cerca de 230 imagens feitas por Penn, extraídas de 70 anos de trabalho, estarão expostas no Instituto Moreira Salles (IMS) da Avenida Paulista, em São Paulo (SP), até 18 de novembro de 2018 – moda, retratos, nus e até peças publicitárias. Obras que estiveram no Metropolitan Museum of Art (The MET), de Nova York, e no Grand Palais, em Paris, com curadoria de Maria Morris Hambourg, especialista independente, e Jeff L. Rosenheim, curador de Fotografia do MET – no Brasil, ambos contam com a participação de Sergio Burgi, coordenador de Fotografia do IMS. Uma homenagem ao centenário de nascimento desse que foi um dos mais importantes fotógrafos do século 20.
Em sua longa permanência no cânone, Penn sempre esteve na vanguarda. Quando se tratava de retratos, criou um fundo próprio, uma espécie de canto neutro em que o retratado podia interagir exclusivamente com ele. Assim surgiram imagens de grandes escritores, como o americano Truman Capote (1924-1984), mitos da música, como o russo Igor Stravinski (1882-1971), o diretor de cinema inglês Alfred Hitchcock (1889-1980) e até o pugilista americano Joe Louis (1914-1981).
No chão, apenas um pedaço de carpete cortado. Foram centenas de grandes personagens, também fotografados em fundos neutros adaptados, lonas, na mais pura elegância. Não apenas os mais célebres, mas também profissionais simples e até crianças em situações de abandono nas ruas, como as imagens feitas em Cuzco, no Peru, no final dos anos 1940, ou na Nova Guiné, Benin e Marrocos, nos anos 1960 e 1970, publicadas em cores na revista Vogue.
Queria ser pintor
Filho de imigrantes russos que chegaram aos Estados Unidos no início do século 20, tinha como aspiração a pintura. Talvez por influência do pai, relojoeiro e pintor amador de fim de semana, Penn pareceu herdar a habilidade técnica dele. Em suas obras isso fica evidenciado quando se mostra um virtuose usando médio formato (6×6 cm da Rolleiflex, a primeira câmera, comprada em 1938) para imagens mais rápidas ou grandes formatos (8×10 polegadas). Há uma precisa iluminação e um foco pleno de acutância como poucos fotógrafos são capazes de produzir.
Na sala principal da exposição, que ocupa dois andares, estão os primeiros trabalhos, incluindo a produção de still life (naturezas-mortas) em cores, feita para a revista Vogue. Segundo Penn, os objetos eram “seguros e fáceis de controlar”. Para os curadores, foi o primeiro passo em direção aos famosos retratos de intelectuais que viviam em Nova York, e que ele passaria a fazer em 1947 para a mesma revista.
Os retratos ocupam a segunda sala do IMS, que traz uma reprodução dos citados “cantos” do estúdio de Penn. O fotógrafo diante desse espaço quase apertado estimulava a improvisação dos modelos. Ele dizia que usava isso “sabendo que acabariam se revelando ao tentarem acomodar seus corpos, egos e expectativas à estrutura”, informa a curadora independente Maria Morris Hambourg.
Começou desenhando
Os quatro anos passados na Escola de Arte Industrial do Museu da Filadélfia foram fundamentais para o início da carreira de Irving Penn. Durante esse período, teve a mentoria do consagrado designer russo Alexey Brodovicht (1898-1971), que também influenciaria outro fotógrafo genial, Richard Avedon (1923-2004). Em 1938, Penn desenhou e ilustrou para revistas como a Harper’s Bazaar, da qual seu mentor era diretor de arte. Com o que ganhava conseguiu comprar a primeira câmera.
Ao insistir em ser pintor, Penn passou um ano no México. Acabou voltando para trabalhar com outro mito do editorial, o ucraniano Alexander Liberman (1912-1999), editor de arte de Vogue, publicada pela Editora Condé Nast, casa da qual seria diretor editorial. Foi contratado por Liberman em 1944, tornando-se protegido dele. Em agosto daquele ano publicou as primeiras imagens de moda e, na edição de outubro, teve uma capa estampada com um still life de sua autoria – algumas dessas revistas originais estarão expostas em vitrines no IMS.
Entre as imagens dedicadas ao meio fashion, para as quais Penn criou um fundo especial com uma cortina, estão as de sua mulher, a sueca Lisa Fonssagrives-Penn (1911-1992), uma pioneira top model na época, com quem se casou em 1950. Dessa relação tiveram um filho, Tom Penn, designer de delicadas peças em metais.
Além do registro das maiores modelos em centenas de capas, o fotógrafo incluiria em seu portfólio pessoas comuns. Na exposição estão os seus retratos feitos no Peru em 1948, após uma temporada de fotos de moda com crianças e ambulantes que se junta à série Pequeno Ofícios, dos anos 1950 e 1951, retratos de padeiros, bombeiros, peixeiros e carteiros fotografados em Paris, Londres e Nova York.
A sobriedade dos fundos neutros em estúdio é a principal característica de Penn, que aplicava esse recurso tanto quanto à coleção de um importante estilista francês da alta-costura. “Os trajes eram apresentados com um intenso respeito por suas qualidades de corte, linha, textura, detalhe, e o mesmo respeito era dado à graciosidade e à personalidade das modelos”, afirma Philippe Garner, especialista em fotografia do século 20 e curador, em texto do catálogo que acompanha a mostra. Um dos fundos originais, a partir de uma antiga cortina de teatro, também está exposto no IMS.
Modelos plus size
Irving Penn se impôs como autor, contradizendo o stablishment fashion. Uma série de nus de modelos de grandes medidas, hoje chamadas de plus size, estampa impressões refinadas em platinum-paladium, um dos meios de cópias fotográficas das chamadas técnicas históricas, hoje largamente utilizado como diferencial por certos autores contemporâneos. À frente de sua época, as imagens não foram bem entendidas. Entretanto, o tempo tratou de comprovar a posição de vanguarda do autor, colocando-o no seu devido lugar na história da fotografia.
A celebração da arte de Penn com a mostra no IMS inclui diferentes assuntos aos quais o fotógrafo se dedicou de maneira autoral, como os elementos encontrados nas ruas, bitucas, maços de cigarros, ossos e pedaços de madeiras. Para a curadora Hambourg, “Penn reconhecia a poesia do detrito, genericamente como uma evidência refratada do estado do mundo e intimamente como uma janela para outras vidas individuais. Ele recolhia o que encontrava nas ruas, literalmente, com uma câmera”.
Irving Penn se destacou numa época em que a concorrência não era fraca. O alemão Erwin Blumenfeld (1897-1969) e seu compatriota Richard Avedon trabalhavam para Harper’s Bazaar, concorrente de Vogue, no início dos anos 1940 – só para lembrar apenas de dois mitos da fotografia, seus contemporâneos. Tinha habilidade para reunir a simplicidade básica da fotografia, como a luz natural e um fundo infinito de estúdio, com ideias que aplicava onde quer que estivesse. Podia ser uma flor ou uma top model. Um pedaço de madeira ou frutas congeladas. Um retrato de uma celebridade da época ou de uma pessoa qualquer. Tudo na mão dele virou arte.
Matéria publicada originalmente em Fotografe Melhor 265