07-2019
A arte de recriar imagens icônicas
Como surgiu a ideia do premiado fotógrafo Sandro Miller de transformar o consagrado ator John Malkovich em modelo para homenagear grandes mestres
Por Juan Esteves
Descontraído, trajando calça jeans bordada e pulseiras, bronzeado e suado pela longa caminhada a pé do seu hotel em Cerqueira César até o Jardim Europa, na zona dos Jardins da capital paulista, Sandro Miller chegou ao Museu da Imagem e do Som (MIS) para dar uma entrevista exclusiva à Fotografe. Na conversa, o renomado fotógrafo americano revelou que há cerca de sete anos teve um câncer na garganta e no pescoço – alcançou um estágio avançado da doença, mas conseguiu se estabilizar e vem levando uma vida normal. Durante o período de quimioterapia, reviu mais de uma centena de livros de fotografia que o ajudaram a ter sucesso na profissão e algumas imagens icônicas não saíam da cabeça dele. Foi então que propôs uma parceria com John Malkovich: ele seria seu modelo na recriação de retratos marcantes na história da fotografia mundial.
Miller esteve recentemente no Brasil para participar do Maio da Fotografia no MIS, com a exposição peculiar em parceria com o renomado ator americano, intitulada Malkovich, Malkovich, Malkovich: homenagem aos mestres da fotografia. A mostra, encerrada em 17 de junho de 2018, apresentou diversos retratos inspirados em famosos fotógrafos e artistas como os americanos Irving Penn (1917-2009), Richard Avedon (1923-2004), Andy Warhol (1928-1987) e Edward Curtis (1868-1952); o inglês David Bailey; o escocês Albert Watson ou o cubano Alberto Korda (1928-2001). Iniciado em 2013, é um trabalho que se distancia de uma simples paródia, tendo Malkovich como personagem em cerca de 100 imagens.
Nos quase seis anos em que começaram a série, Miller diz que em nenhum momento o ator discordou dele: “John me perguntava, ‘Sandro, o que vamos fazer hoje?’ Eu respondia: vamos fazer a fotografia assim e assado. Ele só respondia: ‘Ok, vamos fazê-la.’ Nós conversamos antes, claro, mas a questão é que ele realmente entendia o que estávamos fazendo. Ele é brilhante”, contou o fotógrafo. Sem essa parceria coesa entre fotógrafo e ator, as imagens seriam impossíveis de ser realizadas. Eles se conheceram no final da década de 1990, quando Miller trabalhava no Steppenwolf Theatre, em Chicago. Uma amizade que completou duas décadas.
A série com Malkovich expandiu o alcance do reconhecimento artístico de Miller. E cada foto é recriada com atenção aos mínimos detalhes. “Começo fazendo uma análise detalhada da iluminação usada pelo fotógrafo original para poder recriá-la. Descobrir o equipamento e a luz, depois de anos que a imagem foi feita, é um desafio”, explica. Tudo tem que ser perfeito, assim como os detalhes das roupas e, claro, a atuação impecável do ator. Na retaguarda, há uma equipe para ajudá-lo. “É uma turma enorme trabalhando, produtores, maquiadores, cenógrafos, entre outros, cujos nomes nem sempre são divulgados”, comenta.
Autodidata
Ele comentou que aos 16 anos folheou pela primeira vez a revista American Photography e se deparou com o portfólio de Irving Penn. Entre os retratos do consagrado fotógrafo estava o do pintor espanhol Pablo Picasso (1881-1973), que, segundo Miller, marcaria sua vida. Nascido em uma família pobre de Chicago, o jeito foi aprender olhando os livros dos mestres do cânone fotográfico, pelos quais absorveu a composição, a iluminação e o modo de retratar as pessoas.
Essa determinação autodidata o levou à fama e a voos mais autorais. Um sucesso que lhe permite ter uma biblioteca com cerca de 700 livros de fotografia, que ele define como a “verdadeira educação”, pois não frequentou nenhuma escola de arte nem faculdade. “Achei que deveria agradecer a esses grandes fotógrafos. Temos quase duzentos anos de fotografia. É pouco se compararmos à pintura, que tem mais de mil anos. Claro que não fazemos nada novo, mas se você quer ser um mestre, tem que entender os mestres”, afirmou o artista.
Sandro Miller é um fotógrafo que acumula prêmios no meio publicitário, entre eles o francês Cannes Lion pela campanha para o Ambassador Scotch e o americano Clio Awards pela marca Harley-Davidson. Esteve diversas vezes entre os tops nas listas da American Photographer e da Archive 200 Best Advertising Photographers. É conhecido pelos seus retratos não somente no meio editorial, mas também no autoral.
Ele é meticuloso, o que é possível observar nas várias séries que produz, como Finding Freedom, com retratos de ex-detentos em busca de uma vida melhor na sociedade, um livro em parceria com o escritor Brandon Crockett que teve a arrecadação doada à causa.
Novas séries
Sandro Miller está trabalhando atualmente nas séries: My Hair, My Soul, My Freedom e I am Papua New Guinea. A primeira, segundo ele, “celebra a diversidade, a arte e o poder do cabelo da mulher negra. Um abraço na liberdade de expressão, a escolha celebrada por meio de penteados”. A segunda é um conjunto de impressionantes portraits de indivíduos da tribo Papua, devidamente paramentados. “Eles estão ficando aculturados, já usando tênis, essas coisas. Por isso resolvi fazer esse trabalho”, explicou.
Entre viagens para diferentes partes do planeta, ele divide a vida entre o trabalho em publicidade, os retratos e o cotidiano com a família em Chicago – a esposa Claude- -Aline Miller (artista multimídia que veio ao Brasil com ele) e os dois filhos, Natalia e Nathan.
O trabalho com Malkovich não é o único em colaboração com um ator, embora seja o mais conhecido internacionalmente. Miller também fez parceria com a atriz americana Jessica Lange na série Icons of Progress, retratos em que ela encarna personagens como a cantora americana Janis Joplin (1943-1970) ou a artista mexicana Frida Khalo (1907-1954).
Ao contrário de muitos fotógrafos, Miller encara o trabalho publicitário com humor. Imagens para as séries da Netflix como Blind Spot ou The Blacklist dividem o espaço de campanhas mundiais para diferentes indústrias. “Não vejo nenhum problema, pois é esse trabalho que me permite criar os pessoais, os livros ou os projetos sociais. Na realidade, sou uma bela prostituta se me pagam bem”, disse, rindo.
Matéria publicada originalmente em Fotografe Melhor 262