11-2018
Segredos e macetes do crowdfunding
Por Mario Fittipaldi
A ideia de várias pessoas reunirem contribuições em dinheiro para realizar um objetivo comum não é exatamente nova. Só que agora a popular “vaquinha” foi turbinada com recursos de marketing digital e, potencializada pelas redes sociais, pode reunir contribuições de muito mais gente, e do mundo inteiro. O crowdfunding, termo que foi traduzido para financiamento coletivo, é exatamente isso. Mas o pulo do gato, segundo Raissa Pena, diretora de publicações do Catarse, um dos principais sites do segmento, é conseguir arrecadar pelo menos 25% da meta na primeira semana de campanha. Em 97% dos casos em que isso ocorreu, o financiamento obteve sucesso.
Por meio de uma plataforma digital, qualquer pessoa que tiver projetos de interesse coletivo pode captar recursos para viabilizá-los, oferecendo recompensas em contrapartida. Existem vários sites em funcionamento no Brasil. Os principais, além do Catarse, são o Benfeitoria e o Kickante.
Em uma época de crise econômica como a que o País atravessa no momento, em que patrocínios e oportunidades para a realização de projetos de fotografia só fazem minguar, o financiamento coletivo se apresenta como uma alternativa viável por não ter burocracia nem representar riscos de investimentos. Um caso emblemático é o de Araquém Alcântara, que lançou, pela plataforma Catarse, o livro Jaguaretê.
Trata-se do 500 livro na carreira do fotógrafo, homenagem à onça-pintada, o maior felino das Américas, que Araquém documentou durante os últimos 30 anos. A campanha arrecadou, apenas no primeiro dia, 35% do objetivo de R$ 79.690,00, e a seis dias do fim, em outubro de 2017, já havia chegado a R$ 98.623,00, 23% a mais do que a meta – um caso raríssimo.
Segundo Araquém, foi justamente a dificuldade de conseguir patrocínio para a publicação do livro que o levou a experimentar a nova modalidade de captação de recursos. “Como não tenho o famoso QI, o quem indica, dependo daquele patrocinador que percebe a fotografia como arte e que anda meio sumido”, resigna-se.
Rede de contatos
Antes de começar uma campanha para arrecadar fundos, é fundamental que o fotógrafo já tenha uma boa rede de relacionamento nas redes sociais. É o que aconselha Candice Pascoal, CEO e fundadora do Kickante e autora do livro sobre o assunto Seu Sonho tem Futuro (Editora Gente, 2017). “O realizador já precisa ter uma comunidade estabelecida de fãs, mídia social, blog e lista de e-mail”, destaca, pois é dessa base que sairá a grande maioria das contribuições.
É o caso do fotógrafo Leandro Taques, de Curitiba (PR). Antes de lançar sua campanha para o projeto do livro San Lazaro Babalú-Ayé, ele testou sua rede no Facebook. “Fiz contato via inbox com 900 amigos do Face, com mensagens personalizadas, que escrevi uma a uma. Desses, 410 responderam que se interessariam pelo projeto”, conta.
Segundo Taques, isso o motivou a continuar. Fez mais uma viagem à Cuba, onde continuou a registrar manifestações de fé durante o dia de São Lázaro para complementar as imagens e lançou a campanha no Kickante. “Mas, antes, havia postado imagens e pequenas histórias para ir sentindo o retorno do público”, explica. “E, quando entrou no ar, virei o chato do Facebook”, ri. Passou a fazer postagens e enviar mensagens diariamente, num trabalho que consumiu de duas e meia a três horas por dia. Deu certo: arrecadou R$ 37.595 e teve 328 apoiadores.
Início de campanha
Além de já ter uma boa rede de contatos, é necessário que o projeto esteja bem formatado antes de entrar no ar. Tanto no Benfeitoria quanto no Catarse e no Kickante, ao preencher o formulário para iniciar a campanha, o fotógrafo deverá ter todos os dados do projeto prontos, como título, resumo dos objetivos, texto de divulgação, fotos e um orçamento que justifique o valor que se quer arrecadar. Vale até criar um pequeno vídeo de apresentação.
Raíssa Pena, do Catarse, adianta que reunir objetividade e criatividade é fundamental para conquistar apoiadores. “É preciso um texto de apresentação claro, enxuto e envolvente, aliado a boas peças gráficas que ajudem a transmitir o que o apoiador pode esperar do projeto”, ensina. “O sucesso tem muito a ver com a demanda da comunidade do realizador. Se a publicação faz sentido para aquela comunidade, já é meio caminho andado”, comenta.
As três plataformas disponibilizam material de aprendizado em seus sites e oferecem consultoria gratuita não só para iniciar a campanha, mas em todas as etapas do período de arrecadação. “O realizador tem acesso a todos os materiais do site Escola do Financiamento Coletivo, mas pode também contar com toda a equipe de atendimento para resolver dúvidas”, diz Raíssa. O Kickante também oferece consultoria gratuita de marketing digital e disponibiliza, na seção Baú de Ideias do site, e-books e conteúdos interativos e de vídeo com dicas.
Já o Benfeitoria dá consultoria personalizada e individualizada para cada projeto. “O realizador submete um rascunho, feito na própria plataforma, e em até 48 horas a equipe entra em contato para estudar a campanha”, informa Larissa Novais, responsável pela área de projetos. “Tentamos entender os objetivos e, a partir daí, vamos analisando os materiais criados, como vídeo, texto e imagens, e ajudando a formatar a apresentação”, ela diz, acrescentando que os profissionais também ensinam o realizador a mapear a rede de contatos dele para identificar seu potencial e definir a melhor comunicação para o público. “Essa parte é fundamental, porque é dessa rede que virá a maior parte das contribuições”, informa.
Ana Lúcia Queiróz, da Illumina Imagens e Memória, levantou fundos pelo Benfeitoria para organizar, em parceria com a galeria Eg2o, de Paraty (RJ), uma exposição de fotografias cujo tema foi o combate à violência contra a mulher. A meta de R$ 20 mil foi atingida, e a exposição, que reuniu trabalhos de fotógrafas de renome como Ana Araújo, Evelyn Ruman, Márcia Zoet, Mônica Zarattini e Nair Benedicto, entre outras, aconteceu. “Principalmente por causa do esforço pessoal de cada uma das envolvidas”, destaca Ana Lúcia. “Para dizer a verdade, eu esperava um pouco mais, especialmente pela notoriedade das profissionais envolvidas”, comenta.
Entre a cruz e a espada
Uma das decisões mais difíceis na elaboração de uma campanha de financiamento coletivo é definir o modelo de arrecadação. Existem dois modelos, o flexível e o tudo ou nada. Como o próprio nome diz, uma campanha tudo ou nada só é bem-sucedida quando atinge o objetivo pretendido. Caso não seja cumprido, os apoiadores recebem de volta o dinheiro das contribuições e o realizador não perde nada. “Servem a projetos que necessitem de um valor mínimo para serem desenvolvidos, ou não poderão ir em frente”, explica Candice Pascoal, do Kickante. “É o caso de autores de livros que precisam de um valor mínimo para rodar os exemplares pretendidos”, acrescenta.
Foi exatamente por isso que o fotógrafo Emidio Luisi optou por esse tipo de campanha quando resolveu arrecadar fundos por meio do Catarse para o seu livro Itália Mia, que reúne imagens da sua pequena cidade natal, Sacco, na região da Campania, em oposição a uma Itália moderna e cosmopolita das grandes cidades. Luisi, que já tem vários livros publicados por editoras de renome, como Cosac Naify e Edições Sesc, se sentiu atraído pela agilidade e ausência de burocracia do crowdfunding. “Convenhamos, encontrar uma editora que banque o seu livro é uma canseira”, ele justifica.
A campanha do Itália Mia encerrou sem atingir a meta pretendida, mas nem Luisi nem seus apoiadores tiveram prejuízo. Ao contrário, ele contabiliza a experiência como um grande aprendizado. “Achei bacana as pessoas se mobilizarem para viabilizar um projeto, ainda mais em um momento em que a sociedade está tão individualizada”, diz.
Já em uma campanha flexível o realizador fica com todo o dinheiro arrecadado, descontadas as comissões do site, independentemente de ter cumprido o objetivo ou não. E também se obriga a entregar as recompensas adquiridas pelos apoiadores. “É a modalidade certa para quem já tem parte dos recursos garantidos e pretende lançar o projeto de qualquer maneira”, explica Raíssa Pena, do Catarse.
É o que fez o fotógrafo especializado em shows e música Marcos Hermes. Seu livro Brasilerô, que contempla 30 anos de carreira com fotos de shows e artistas da música brasileira, foi publicado mesmo não alcançando o valor arrecadado por meio do Kickante . “Busquei outras formas de viabilizar o projeto, como o apoio de amigos e de empresas”, informa Hermes – veja a resenha do livro da edição 263 de Fotografe.
Metas e recompensas
Um bom projeto de financiamento coletivo também tem de ter metas realistas e recompensas atraentes e exclusivas. Segundo Candice Pascoal, do Kickante, o realizador deve estipular o mínimo possível para realizar o projeto. “Dessa forma, ele se manterá motivado durante toda a campanha e os apoiadores sentirão que seus dez ou vinte reais fazem a diferença”, analisa.
O Benfeitoria, por sua vez, permite que o realizador defina até três metas progressivas, começando por uma mais modesta até a última, mais ambiciosa, como explica Larissa Novais: “É possível estipular uma arrecadação de R$ 10 mil para rodar 50 livros de fotografia e, caso atingida, ampliar para R$ 15 mil para rodar 80 livros e assim sucessivamente. Isso facilita a viabilidade”, ela garante.
Quanto às recompensas, o realizador deve se preocupar em definir um conjunto que atenda às expectativas da sua rede de contatos. Larissa Novais, do Benfeitoria, lembra que a maioria das contribuições fica na faixa entre R$ 30 e R$ 50. Já Candice Pascoal, do Kickante, observa que, se muita gente contribui é porque se engaja no tema da campanha, outras só vão contribuir caso se sintam atraídas pelas recompensas. “Recomendo que os projetos tenham entre três e seis recompensas, começando com uma básica, de R$ 20 a R$ 30, que pode ser uma cópia do livro autografada, até recompensas exclusivas, de valor mais alto, para atrair empresas ou filantropos”, diz ela.
Para o fotógrafo Henrique Manreza, que viabilizou pelo Kickante a exposição Rumos, no espaço cultural Como Assim?!…, em São Paulo (SP), o mais importante ao definir as recompensas é calcular o custo efetivo delas antes de definir o valor, levando-se em conta frete e até a comissão do site. A exposição, que reuniu fotografias de um projeto pessoal que investigou a natureza da felicidade, arrecadou R$ 11.552, 24% acima da meta de R$ 9.266,87. “No entanto, podia não ter batido a meta. Então, eu precisava ter certeza de que poderia entregar cada uma das recompensas, mesmo se uma única fosse vendida”, afirma. Entre as recompensas, estavam impressões de fotos em estilo fine art e e-books com as fotos da exposição.
Na grande maioria dos casos, o crowdfunding funciona como uma plataforma para viabilizar projetos pessoais e idealistas, especialmente na área de artes e, mais especificamente, fotografia. Como não há garantia de sucesso, muitas vezes o realizador tem até de desembolsar quase todo o dinheiro necessário para finalizar o projeto.
Também é importante frisar que se trata de uma modalidade relativamente nova de captação de recursos. Tanto plataformas quanto realizadores e apoiadores ainda têm muito o que aprender para que os negócios se tornem mais atrativos para todos. Mas, é inegável, o modelo chegou para ficar.