O galo-da-serra é uma ave cobiçada pelos fotógrafos do tema por cauda da beleza

O galo-da-serra é uma ave cobiçada pelos fotógrafos do tema por cauda da beleza

Por Mário Fittipaldi

A fotografia de aves é, talvez, a porta de entrada mais acessível para o fotógrafo que deseja começar a registrar a natureza. Nem é preciso se embrenhar na mata para conseguir as primeiras imagens. Na maioria das vezes, basta caminhar até uma praça ou passar um dia em um parque para ter muitos pássaros à frente das lentes. Segundo o Sistema de Informação da Biodiversidade Brasileira (SiBBr), do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, existem 1.924 espécies de aves catalogadas no Brasil, das quais muitas ocorrem em áreas urbanas.

Apesar da aparente facilidade de contato com esses animais, fotografá-los é outra história. Eles são pequenos, ágeis e ariscos. Fogem ao menor ruído ou tentativa de maior aproximação do fotógrafo, sem dar qualquer chance ao clique. E, dependendo da espécie que se deseja fotografar, encontrá-la pode demandar planejamento intenso, estratégia e perseverança.

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Luiz Damasceno teve paciência para esperar pelo display do beija-flor-rajado

Em seu livro Fotografia de Natureza (Editora Europa), o fotógrafo Luiz Claudio Marigo ensina que antes mesmo de sair a campo é preciso estudar as espécies que ocorrem no local onde se pretende fotografar ou as que deseja fotografar. Ao identificar comportamentos, hábitos de alimentação e época de nidificação, entre outros fatores, a visualização é facilitada.

Fotógrafo socioambiental com formação de técnico em meio ambiente, o mineiro morador de Poços de Caldas (MG) Ederson Godoy, 35 anos e há oito fotografando natureza e aves, segue à risca as dicas do mestre Marigo. “Foi graças a ele que me tornei um aficionado por fotografia de natureza e, em especial, de aves, pois era apaixonado pelos cartões da fauna brasileira com as fotos dele que vinham no chocolate Surpresa”, lembra.

Tesoura-do-brejo fotografada com uma tele potente por Emerson Godoy

Tesoura-do-brejo fotografada com uma tele potente por Emerson Godoy

Paciência, maior virtude

Godoy afirma que a maior virtude que o fotógrafo de aves deve ter é a paciência. O que, aliás, ele tem de sobra: só para fotografar o uru (Odontophorus capueira), uma espécie de ave galiforme, foram quatro dias de campana no meio do mato, com turnos de oito a dez horas diárias, praticamente imóvel e no mais absoluto silêncio. “E, claro, em meio a muitos mosquitos”, ele ri. Embora ocorra em toda a faixa leste do Brasil, o pequeno galináceo anda meio sumido devido à caça predatória e destruição do seu hábitat. Outra empreitada dura foi para fotografar o tangarazinho (Ilicura militaris), pequeno pássaro endêmico do Brasil que vive nas bordas das florestas e se alimenta de frutos e insetos: “Demorei quase um ano seguindo pistas até conseguir encontrar um exemplar da espécie”, conta.

 

Para o fotógrafo Luiz Cavalcanti Damasceno, 65 anos, carioca morador de João Pessoa (PB) e que já clicou mais de 1.000 espécies em quase todo o Brasil – só não esteve nos estados de Roraima e Amapá –, mesmo quando se consegue a aproximação com a ave pode ser necessário esperar muito até conseguir a pose ideal para a foto. “Tem que ter paciência para aguardar que ela execute o display, que sempre rende boas imagens”. O display é o conjunto de movimentos característicos e padronizados que a ave executa para atrair a fêmea ou defender seu território, o que muitas vezes caracteriza a espécie, explica o fotógrafo.

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Corruíra-do-campo saindo de fenda de árvore com um inseto no bico

Ele lembra que nem sempre se consegue encontrar todas as espécies desejadas em uma expedição. “Muitas vezes você ouve o canto do pássaro, espera o dia todo e não consegue visualizá-lo. Já fui três vezes à cidade de Areia, na Paraíba, fotografar o pintassilgo-do-nordeste (Spinus yarrellii), uma espécie ameaçada de extinção e endêmica do Nordeste, sem sucesso”, lamenta. “Mas vou voltar, pois a cidade fica a apenas 100 km de João Pessoa”, projeta.

Por outro lado, muitas vezes o fotógrafo está pronto para registrar uma espécie e acaba tendo contato com outra que nem estava prevista no planejamento inicial. Foi assim com Godoy, que conseguiu fotografar um beija-flor-de-gravata-verde (Augastes scutatus) durante uma expedição ao Parque Natural do Caraça, em Minas Gerais, para documentar o lobo-guará. “Eu nem conhecia o gravata-verde na época, mas ele apareceu e, felizmente, eu estava com o equipamento pronto para disparar ”, recorda.

Planejamento

Etapa crucial de todo bom fotógrafo de aves, o planejamento é fundamental para o sucesso, embora não seja, por si só, garantia. A primeira decisão a ser tomada é se vai organizar uma expedição para fotografar uma única espécie ou se o objetivo é visitar um local e registrar o maior número de aves que conseguir avistar. O passo seguinte é estudar cuidadosamente cada espécie, para só então pensar na logística, que pode incluir despesas com viagens e guias especializados.

Damasceno lembra ainda que o planejamento é importante especialmente se o fotógrafo já tiver muitas espécies em seu catálogo. “Um passarinheiro no meu estágio precisa cuidar muito de cada incursão para que ela seja proveitosa”, avisa. “Sempre comparo a lista de espécies que ocorrem no local que pretendo ir com a lista de espécies da minha coleção, para então decidir se vale a pena o investimento da viagem”, pondera ele.

Casal do falcões-quiriquiris se alimenta de um pássaro menor recém-caçado

Casal do falcões-quiriquiris se alimenta de um pássaro menor recém-caçado

É sempre bom lembrar que, muitas vezes, uma expedição para encontro de aves requer longas caminhadas na mata. “Uma das imagens mais marcantes foi conseguir clicar um bando de araras-azuis-de-lear (Anodorhynchus leari) em pleno voo, na Reserva Biológica de Canudos, no nordeste da Bahia, um local de difícil acesso. Fiquei inebriado com o encontro”, emociona-se Damasceno. Não é para menos: a ave é endêmica da região e está seriamente ameaçada, pois sua população é de apenas 1.200 indivíduos. “Trata-se de uma das aves mais cobiçadas pelos fotógrafos passarinheiros”, gaba-se.

Para expedições como essa, além de contratar um guia experiente da região, o fotógrafo de aves deve usar roupa adequada para trilhas, como botas, calças e camisas de tecidos leves e chapéu para se proteger do sol. Deve dar preferência para o verde, o cáqui ou ainda as estampas de camuflagem.

Aproximação

Uma vez definido o local das fotos, vem a parte mais difícil: fazer contato visual e se aproximar da espécie que se deseja fotografar. Uma das estratégias é atrair a ave que se deseja fotografar com playbacks do canto, técnica preferida por Damasceno. Quando organiza uma “passarinhada”, como os aficionados chamam as excursões para observação e fotos, procura sempre contratar um guia especializado, que conheça a região, os comportamentos das espécies-alvo e tenha as gravações dos cantos. “Um bom guia é capaz de trazer o pássaro na sua frente. E, durante uma viagem de observação e fotos, não há tempo a perder”, justifica.

Godoy prefere usar a experiência e o conhecimento que acumulou trabalhando em expedições de catalogação de aves na região sul de Minas Gerais com os biólogos e ornitólogos Rodney Yartelli e Eric Arruda Williams, dispensando o playback. “Acho que elas ficam muito estressadas, a foto não sai com naturalidade”, avalia. Para localizar uma espécie, ele recomenda que o fotógrafo vá aos locais onde ela se alimenta. Vale também procurá-la na época de nidificação. Os melhores horários são bem cedo pela manhã, ao nascer do sol, ou no final da tarde, na primavera e no verão.

Muitas vezes, quando o objetivo é fotografar uma espécie rara, é preciso empreender uma verdadeira caçada. Para fotografar o uru, Godoy primeiro observou os sinais de sua presença no ambiente – trata-se de uma ave que se alimenta ciscando o chão atrás de sementes, deixando marcas. Entre a percepção da presença da ave até a sua localização de fato passaraM-se cerca de 18 meses. Identificado o melhor local para fotografá-la, ele montou uma espécie de cabana camuflada em torno da câmera e espalhou sementes de araucária e pinhão no entorno. Daí foi só esperar. A recompensa veio em dobro: “Conseguiu fotografar e filmar um casal, foi uma satisfação muito grande”, vibra o fotógrafo.

Bando de araras-azuis-de-lear, espécie em vias de extinção, registradas na Bahia por Damasceno

Bando de araras-azuis-de-lear, espécie em vias de extinção, registradas na Bahia por Damasceno

Equipamento

Além de uma DSLR, tanto Godoy como Damasceno são unânimes em afirmar que uma boa teleobjetiva, de no mínimo 300 mm de distância focal, é indispensável. Sistemas de estabilização de imagem também são bem-vindos. “Pássaros e aves normalmente são animais pequenos, nunca se consegue uma boa aproximação sem espantá-los. Além disso, muitas vezes eles estão nas copas das árvores, o que dificulta ainda mais a imagem”, lembra Damasceno. Ambos utilizam o mesmo tipo de lente, a Canon EF 100-400 USM 4/5.6.

Godoy, que fotografa com uma Canon EOS 5D Mark II, não dispensa o tripé. “Ele é fundamental, pois muitas aves vivem em florestas e, especialmente, sob as copas das árvores, então as condições de luz nunca são as ideias”, explica. Já Damasceno, que já usou uma Canon EOS 7D e hoje fotografa com uma EOS 5D Mark III, prefere não utilizar o acessório. “Acho complicado de transportar nas trilhas, é desajeitado e pesado. Quanto menos tralha levar, melhor”, ele diz. Para compensar a falta de luz, carrega no ISO, utilizando valores de 800 a 1.600 – os sensores mais novos trabalham com esses valores sem gerar muito ruído na imagem, assegura.

Um tangarazinho, também conhecido como saíra-licúria, clicado por Godoy

Um tangarazinho, também conhecido como saíra-licúria, clicado por Godoy

Para os iniciantes, Damasceno recomenda que se comece selecionando o modo de prioridade de velocidade na câmera (Tv para Canon, S para Nikon). Também recomenda que se use o modo de foco contínuo (AI Servo para Canon, AF-C para Nikon). Para fotografar aves durante o voo, pode-se usar velocidades de obturador altas (acima de 1/500s), se deseja congelar o movimento, ou mais baixas, caso queira acentuá-lo. Em ambos os casos, é preciso ser craque na técnica do panning, quando se acompanha o movimento das aves com a câmera para fazer o clique. É preciso treinar.

Respeito à vida

Seja qual for a espécie a ser fotografada, o respeito à vida e ao meio ambiente deve ser a prioridade de qualquer fotógrafo de aves, iniciante ou não. É preciso lembrar que você é o invasor, e que a sua presença causa perturbações e estresse na fauna como um todo. Assim, ao se aproximar de uma ave, faça isso com movimentos lentos, calculados e, sobretudo, em silêncio absoluto, ensinam os dois fotógrafos.

Mais recomendações deles: se você vai fotografar uma ave e se posiciona próximo ao ninho, esteja atento para não interferir na reprodução ou na alimentação dos filhotes. Jamais mexa em ovos ou remova galhos do entorno – a tentação é grande, pois eles são construídos em locais camuflados sob as folhas e, portanto, sob pouca luz. Lembre-se sempre de que, quanto mais naturais as aves parecerem em seus ambientes, melhores serão as suas fotografias.

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Beija-flor bico-reto-de-banda-branca em luta para defender seu território

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