06-2017
Uma questão de ponto de vista
Por Diego Meneghetti/Fotos: Shutterstock
A fotografia não é imparcial nem tem o propósito de ser. Toda imagem, por mais fiel que seja à cena registrada, sempre será um recorte da realidade feito pelo fotógrafo. Por isso, além do enquadramento, a escolha de onde se posicionar e de qual objetiva usar na captura são decisões que interferem no ponto de vista que o fotógrafo tem sobre determinado tema e, consequentemente, influencia a mensagem que a imagem transmite.
Embora pareça uma escolha sem grandes desafios, o ponto de vista é um dos recursos mais criativos da fotografia. Ao mudar a posição da câmera ou ajustar a objetiva para uma distância focal diferente, as relações entre os objetos no quadro se reorganizam. Assim, é possível fazer um registro totalmente diferente de uma mesma cena apenas mudando a posição da câmera no ambiente.
Definir o ponto de vista faz parte da composição fotográfica e vem antes de o fotógrafo escolher a posição do assunto no quadro, orientado, por exemplo, pela regra dos terços. Muito fotógrafo diletante, entretanto, nem chega a explorar esse aspecto criativo. A tendência é ele ficar parado em um lugar enquanto faz a composição da imagem apenas com o movimento de zoom da lente (ou posteriormente, com o corte da foto via computador). Fazendo isso, ele desconsidera outros pontos de vista e desperdiça oportunidades para criar outra opção para a imagem, que pode ser mais atraente aos olhos do observador.
Veja nas duas imagens uma mesma cena pode ter uma leitura completamente diferente com a mudança de ângulo e de lente
Movimente-se
Explorar o ponto de vista exige que o fotógrafo se movimente, avaliando diferentes abordagens da cena. Como já disse o mestre americano Ansel Adams (1902-1984), uma boa foto é saber onde ficar. Ao selecionar um assunto para ser registrado, é preciso estudar o contexto da cena e o objetivo desejado com a imagem. Logo, algumas decisões importantes surgem: a cena será fotografada de perto ou de longe? Com a câmera apontada de cima para baixo, de baixo para cima ou na altura dos olhos? O movimento na foto será “lido” da esquerda para a direita ou no sentido contrário? Essas escolhas, que na maioria das vezes são feitas de maneira intuitiva, são as principais ferramentas para contar uma história por meio de fotografias, pois elas ajudam a atrair o olhar e definem como a imagem será entendida, ou “lida”.
Uma boa dica para começar a exercitar o olhar é fotografar um assunto a partir de um ponto de vista inesperado, o que pode fazer com que a imagem se torne mais interessante. A foto de um cachorro feita ligeiramente abaixo dos olhos do animal, com o fotógrafo deitado no chão, por exemplo, será mais atraente do que uma imagem feita de cima para baixo, com o fotógrafo em pé. Por outro lado, fotografar um pássaro à altura dos olhos do animal é mais interessante visualmente do que se o fotógrafo apontar a câmera de baixo para cima, capturando a ave numa árvore – como geralmente as pessoas veem os pássaros, ou seja, nada de novo.
Cachorro fotografado em um ângulo baixo e pássaros registrados com a câmera na altura dos olhos deles ficam esteticamente mais agradáveis de se ver
Distância focal
A escolha da objetiva é uma das primeiras decisões que interferem no ponto de vista. Na maioria das vezes, ela está relacionada ao ângulo de visão que a lente proporciona, ou seja, o quanto da cena a câmera irá registrar. Quanto maior o ângulo de visão da lente, menor os elementos são registrados na foto. Por isso, a escolha da objetiva também interfere na ampliação dos objetos, mas depende das distâncias envolvidas.
As chamadas objetivas normais são aquelas que permitem registrar um ângulo de visão semelhante ao de um olho humano. No padrão 35 mm (câmeras full frame), essas lentes têm distância focal em torno de 50 mm (objetivas normais para câmeras APS-C têm distância focal de 35 mm). Já as objetivas grandes angulares, como o nome sugere, permitem fotografar uma cena com ângulo de cobertura mais amplo que o da visão humana. Elas têm distância focal menor que 50 mm (no padrão full frame) e, ao incluir uma cena mais ampla, registram os objetos geralmente reduzidos na foto.
Por fim, a teleobjetiva é uma lente que capta um ângulo de visão mais fechado, mas permite ampliar bastante o objeto. Com distâncias focais longas, como 300 mm, a tele funciona mesmo como um telescópio, sendo construída para fotografar assuntos que estão longe da câmera.
Observe as várias abordagens de um mesmo tema: a Torre Eiffel, em Paris: a lente grande angular foi usada de várias formas, a começar, na primeira foto, para destacá-la na grandeza da cidade; depois, num ângulo convencional; e abaixo, em duas abordagens criativas, que evidenciam sua imponência
Perspectiva
Porém, a escolha da objetiva não é apenas uma maneira de incluir ou cortar elementos da foto, ou de ampliar ou reduzir objetos, aspectos que por si só já fazem parte do ponto de vista do fotógrafo. O importante é saber que a distância focal da objetiva também afeta a perspectiva da imagem.
É bom lembrar que a fotografia é uma representação bidimensional do mundo. Portanto, os volumes e as distâncias entre os elementos da cena são captados em perspectiva: algo que estiver mais próximo da câmera será registrado maior na foto – mesmo que haja, no fundo, um objeto de dimensões maiores que o primeiro. Além disso, a intensidade da perspectiva varia com a distância focal da lente.
Usar uma grande angular para fotografar elementos em close, por exemplo, faz com que os objetos em primeiro plano fiquem distorcidos e pareçam ainda maiores. Nesse caso, as distâncias entre os objetos em primeiro plano também ficam mais evidentes na imagem. Por outro lado, quando se usa uma teleobjetiva para fotografar paisagens, os elementos em diferentes distâncias parecem estar mais próximos uns dos outros, criando uma perspectiva mais comprimida, com planos mais chapados e menor diferença de tamanho entre os elementos em cena (veja mais no box abaixo “Pratique a perspectiva”).
Essas distorções, que podem ser aproveitadas de maneira artística, são problemáticas quando usadas em retratos. Ao fotografar o rosto de uma pessoa com lente grande angular, a imagem pode deformar as proporções de maneira desagradável, deixando o nariz (que estaria mais próximo da câmera) bem maior que o normal ou, dependendo do ângulo, a cabeça em tamanho desproporcional em relação ao corpo. Em casos assim, o melhor é se distanciar e usar uma teleobjetiva, a qual oferece uma perspectiva mais “natural”.
O ângulo de captura da imagem dos pés muda a leitura de cada imagem: confiança e segurança, acima, relaxamento e tranquilidade, abaixo, podem ser reconhecidos em cada abordagem
Nos eixos
Outra maneira de se trabalhar o ponto de vista na fotografia é explorar os eixos de orientação esquerda-direita e acima-abaixo. Cada um tem seus efeitos, que resultam em parte do sentido de leitura ocidental, feito de cima para baixo e da esquerda para a direita. Imagens com elementos que quebram esse sentido de leitura permitem transmitir informações que, a princípio, não estão na foto, mas que coincidem com o ponto de vista do fotógrafo.
A imagem de uma pessoa caminhando lateralmente da esquerda para a direita, por exemplo, transmite a sensação de que ela está “indo para algum lugar”, uma vez que a ação que está na foto coincide com o sentido de leitura de quem visualiza a imagem (e do próprio fotógrafo). Os dois sentidos, da ação e da leitura, seguem para a mesma direção.
Por outro lado, quando uma pessoa caminha da direita para a esquerda (no sentido contrário ao da leitura ocidental), a sensação é que ela está voltando de algum lugar. É importante perceber que, para criar esses diferentes pontos de vista, basta que o fotógrafo se posicione em um lado da ação ou do outro.
O mesmo efeito de ir e vir ocorre quando o movimento do tema na imagem é orientado para cima/para frente ou para baixo/de costas. Nesse caso, a leitura da foto requer mais percepção: por exemplo, se um carro é fotografado de costas (o sentido da ação na imagem ocorre debaixo para cima no quadro), ele aparentemente está indo para algum lugar. Já se o veículo é registrado de frente, visualmente ele parece estar vindo — e, o mais importante, vindo ao encontro de quem vê a foto. Assim, o ponto de vista da imagem é praticamente em primeira pessoa.
Na foto acima, o movimento lateral da esquerda para a direita dá sensação de que as pessoas estão indo par algum lugar; abaixo, acontece o contrário, da direita para a esquerda, de que estão voltando
Sobe e desce
A orientação vertical acima-abaixo também se relaciona com o sentido de subir ou descer, além de gerar conceitos na foto como superioridade e inferioridade. Cenas fotografadas com a câmera apontada para cima criam geralmente linhas diagonais que fazem com que a leitura da foto transmita uma sensação de subida, muitas vezes impregnadas com um valor positivo para o tema que está na parte superior do quadro. Um dos exemplos mais comuns são as fotos de prédios altos, que, ao serem fotografados da rua, criam uma perspectiva com linhas convergentes que faz com que eles pareçam mais imponentes.
Por outro lado, fotografar com a câmera apontada para baixo pode fazer com que o sentido da imagem coincida com o ponto de vista do fotógrafo: como ele está acima dos elementos fotografados, a cena passa uma sensação de inferioridade de quem está abaixo. É por isso que fotógrafos profissionais evitam registrar crianças de cima para baixo, evitando assim inferiorizá-las na imagem.
Outro efeito ocorre se as linhas convergentes da imagem ficarem apontadas para baixo: o ponto de vista pode gerar a sensação de descida, queda e até vertigem. Essas duas posições da câmera (de cima para baixo e de baixo para cima) e os efeitos criados por esses pontos de vista também são muito usados no cinema, em que as posições da câmera levam o nome de plongée (mergulho) e contra-plongée (contra-mergulho).
Analisar o ponto de vista de outros fotógrafos – ou mesmo das cenas de filmes – é um bom exercício para o olhar. Em vez de apenas registrar, o fotógrafo aprende a deixar sua opinião nas imagens que faz.
Pessoa fotografada de baixo para cima (contra-mergulho) sugere altivez; já de cima para baixo (mergulho) remete à submissão
Como praticar
Uma boa forma de treinar o olhar para saber como escolher qual a melhor objetiva para a foto é registrar várias vezes a mesma cena, alterando a distância focal da lente e a distância entre a câmera e o objeto. Para isso, escolha uma objetiva grande angular para fotografar alguma cena que tenha elementos em primeiro e em segundo plano. Use, por exemplo, a distância focal de 18 mm e se posicione a 3 metros do objeto em primeiro plano.
Depois, mude a distância focal para 55 mm e se afaste até manter a ampliação do elemento em primeiro plano – a distância entre a câmera e o assunto irá aumentar para cerca de 9 ou 10 metros.
Compare, então, a perspectiva das duas imagens, a primeira feita em grande angular, e a segunda, em meia-tele. Repare como a sensação de distâncias entre os dois elementos (no exemplo, as palavras “curva” e “perigosa”) também muda. Na primeira foto, as duas palavras parecem estar bem distantes, sendo que o primeiro plano está bem maior. Na segunda foto, a distância entre elas parece menor, assim como a diferença de tamanho das palavras.