10-2016
O poder do convencimento
Por Gabrielle Winandy
Nem sempre, na hora de fazer um retrato, a pessoa está aberta à ideia ou confiante de que quer participar daquilo. Convencê-la a ser retratada é um dos desafios que todo fotógrafo interessado no registro de pessoas enfrenta.
Para ter sucesso nessa empreitada não há uma ciência certa, mas práticas desenvolvidas pela intuição, pelo carisma e pela experiência de cada um podem levar ao sucesso. Fotografe conversou com cinco grandes fotógrafos, com diferentes objetivos no trabalho, mas mestres em lidar com pessoas: Evandro Teixeira, Luiz Garrido, Tiago Santana, André François e Fabio Elias. Eles ensinam alguns truques que usam para convencer seus personagens a se deixar fotografar sem perder a espontaneidade.
A dica mais importante, destacada por todos, é que sempre haja respeito. “Tente entender como você se sentiria se alguém desconhecido se aproximasse com a intenção de fazer um retrato seu”, sugere Fabio Elias, experiente em montar e fazer expedições fotográficas para países exóticos na África e na Ásia. Porém, o respeito próprio também é importante quando se trata de retratar uma pessoa ilustre, como explica o renomado Luiz Garrido: “Você sempre está no mesmo nível que a pessoa. Tenha uma postura de não baixar a cabeça, o que não significa ser arrogante”, ensina. Já Evandro Teixeira, mestre do fotojornalismo, prefere ir de mansinho: “Seja humilde, tranquilo e se comporte com educação”.
Abordagem
Fabio Elias nunca se aproxima de uma pessoa com uma câmera na mão, pois isso pode parecer invasivo. “Sempre a levo escondida na mochila ou em um saco de cordura (o mesmo material usado para fazer mochilas)”, conta. O premiado Tiago Santana, especialista em registrar diversas faces do sertão brasileiro, concorda com essa postura. “Chegar com a câmera na mão pode soar agressivo”, comenta. Já André François, conhecido por documentar projetos humanitários pelo mundo, decide na hora, dependendo de como sente a situação. Às vezes se aproxima com a câmera na mão justamente para testar a receptividade da pessoa. “Você já percebe uma espécie de autorização (ou falta dela) no olhar”, diz.
Essa autorização implícita, aliás, deve ser sentida de uma forma inconsciente. “É um processo de aprendizado”, continua André. Evandro Teixeira concorda: “Só a experiência pode sinalizar logo de cara se a pessoa é receptiva”, observa. Para Luiz Garrido, é importante que na abordagem o fotógrafo esteja confiante ou pelo menos expresse isso. “Quando fotografei Joaquim Barbosa (ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça), estava muito nervoso, mas não demonstrei. Senão ele poderia perder a confiança na qualidade do meu trabalho”, conta.
Fabio Elias conta que há casos em que chega a um lugar novo e percebe algumas pessoas o seguindo com o olhar, com um ar de “e aí? Não vai me fotografar?”. Já quando ele se interessa primeiro, tenta ver se olham de volta ou se estão com um sorriso, mesmo que camuflado. “A ideia é perceber se existe uma cumplicidade”, afirma. André François acrescenta: “Às vezes, a pessoa só é tímida. Por isso, se houver outras pessoas mais dispostas, fotografo essas primeiro, pois geralmente a tímida verá o que estou fazendo e poderá participar também”.
No tempo certo
Tiago Santana sabe bem o que é isso: quando fazia fotos para o livro “O Chão de Graciliano” (2006), localizou um vaqueiro nordestino importante para seu documentário e quis fotografá-lo, mas o sujeito nem sequer aceitou recebê-lo. Tiago resolveu fazer outros registros e depois de observá-lo nessa tarefa durante um tempo, o vaqueiro se aproximou, chamou-o para tomar um café e concordou em ser fotografado. “Se você respeita a vontade da pessoa, dá tempo, ela acaba te respeitando por isso e aceitando mais facilmente a sua ideia”, ensina. Outra tática é fotografar primeiro o líder de uma comunidade. Se ele permite, provavelmente os outros componentes do grupo também concordarão.
E quando não falam a mesma língua que você? Fabio já se esforçou para aprender algumas palavras de dialetos africanos e tornar mais fácil a comunicação, mas acredita que fotografia é universal e pode ser entendida mesmo que nenhuma das duas partes fale o mesmo idioma. Em casos assim, geralmente tenta quebrar o gelo mostrando fotos de família, do lugar onde vive, de coisas que são importantes para ele como forma de demonstrar que ele é inofensivo.
André François prefere ser mais precavido: sempre viaja com uma assistente que fala bem inglês e contrata um tradutor no lugar em que está. Já chegou a ter três tradutores consigo em uma viagem que fez perto da fronteira entre a China e a Mongólia. “Falava para a minha assistente, que traduzia para o inglês, que era traduzido para o chinês por um guia, e depois traduzido para o dialeto local por outro guia”, lembra. É mais demorado, mas pelo menos evita desentendimentos.
Na base da conversa
Paciência é outra característica que os cinco disseram ser extremamente importante para esse tipo de fotografia. O fotógrafo deve ser paciente para conversar, ouvir e criar vínculos. Evandro conta que, quando fazia as fotos para o livro “Canudos 100 Anos” (1997), encontrava muitas pessoas bem simples no sertão da Bahia. Quando queria fazer um retrato conversava com elas, explicava com calma o projeto. “Depois que terminei o trabalho, uma pessoa que esteve com alguns dos meus retratados me ligou e contou que não paravam de falar bem de mim. Virei amigo delas”, diz Evandro.
Outra tática é propor algo. Evandro lembra que quando estava acompanhando a Seleção Brasileira na Europa, em 1986, em um voo para Frankfurt, na Alemanha, queria fotografar os jogadores no avião e houve rejeição. Então ele propôs ao grupo: “Se eu trouxer uma mulher bonita e interessante vocês fazem uma foto com ela?”. O time imediatamente concordou. Evandro, com seu poder de convencimento, trouxe ninguém menos que Yoko Ono, viúva de John Lennon, que viajava na primeira classe. “Os jogadores ficaram frustrados. Não acharam a Yoko bonita nem interessante, mas fizeram a foto”, lembra.
Para Fabio Elias, o importante é não desistir diante de uma reação negativa: “Converse com a pessoa, explique quem você é e o que pretende fazer, até conseguir a permissão, mesmo que seja só pelo olhar ou por um sorriso”, explica. Foi assim que conseguiu fazer o retrato de uma jovem indígena na Guatemala. “Passei dois dias conversando com ela, sem fazer nenhuma foto. Finalmente ela aceitou ser fotografada”, lembra ele. Mesmo assim, teve de ser rápido porque a menina era tímida; só conseguiu duas imagens. Quando voltou para a Guatemala 18 meses depois, Fabio a encontrou novamente. Entregou-lhe a foto que tinha feito, e ela adorou o resultado. Tanto que permitiu que o grupo que estava com ele fizesse mais fotos dela.
Foi por meio de conversa e de compreensão que André François conseguiu registrar a tribo Yanomami, na Amazônia. “Demorou quase dois anos para estabelecer vínculos de confiança com a tribo. E mesmo assim, passei 30 dias vivendo com eles e somente nos últimos cinco pude fotografar tudo que queria”, lembra o fotógrafo. “É sempre interessante tentar entender porque há resistência, qual a razão daquela pessoa não estar aberta a isso”, aconselha. Pode ser, por exemplo, que a pessoa não entenda muito bem o conceito de câmera, como ocorre em lugares isolados da civilização. “Nesses casos, dou a câmera na mão dela, deixo-a brincar com o aparelho. O importante é ser honesto sobre as suas intenções”, ensina.
Para Luiz Garrido, especializado em retratar pessoas ilustres e celebridades, a tática é olhar nos olhos, não ter medo de dizer o que precisa. Quando o retratado não quer fazer uma pose ou algo assim, Garrido tenta ser solidário, conta histórias. Faz a situação parecer uma brincadeira, e logo a pessoa está concordando com tudo. Mas ele recomenda que o registro seja rápido. “Chegue com o equipamento pronto para que não haja problemas técnicos e não demore mais do que 15 ou 20 minutos”, diz. Senão, a pessoa (principalmente se for ocupada) pode ficar impaciente.
Diga obrigado
A recomendação de Fabio Elias é nunca deixar de agradecer ao fotografado: “Sempre diga obrigado depois de fazer a foto. Falo isso porque vejo pessoas fotografarem e simplesmente darem as costas e sumirem”. Também não é educado mentir: se prometeu que vai entregar ou enviar a foto depois, faça isso, cumpra com a palavra.
Para Garrido, uma questão fundamental é a autorização. Como faz retratos de pessoas geralmente conhecidas ou famosas, nunca usa uma foto sem uma autorização por escrito. Ele recomenda esse procedimento mesmo com pessoas comuns, por segurança, já que o fotógrafo tem o direito autoral do trabalho, mas cada cidadão brasileiro tem o seu direito à imagem previsto na Constituição. Outra dica de Garrido é não mostrar a foto que acabou de fazer. “Não faça isso, pois senão a pessoa pode querer dirigir o seu trabalho. Mostre apenas depois que tudo estiver terminado”, recomenda.
Tiago Santana alerta para a ansiedade: não chegue já fotografando. “Isso passa uma sensação de agressividade. É preciso ser discreto, conversar primeiro. O trabalho de um fotógrafo é muito mais do que somente a fotografia. Há o contato humano também”, lembra.
Evandro Teixeira diz que, com o tempo e a experiência, cada fotógrafo vai encontrando a sua forma de usar “o poder do convencimento”, mesmo os mais tímidos. O importante é não tentar enganar o retratado nem dar uma de malandro: “Seja verdadeiro, olhe nos olhos, desarme o espírito e sorria. Um sorriso franco ajuda muito”, diz.
Já o documentarista André François alerta para cuidados que o fotógrafo deve ter quando retrata pessoas, pois existem situações em que o clima simplesmente não favorece ou o momento é impróprio. “Quando há muita gente ou a situação está caótica, é melhor guardar a câmera”, aconselha. Há vezes em que o fotógrafo pode ser intimidado pelo ambiente à sua volta, pelo que está vendo ou sentindo, e não consegue levantar a câmera. “Nesses casos, desista. Aceite seus medos”, recomenda André.