10-2016
Uma receita para fotografar carnes
Por Livia Capeli
Uma foto de carne se faz com um naco muito suculento, uma boa dose de brilho, a porção ideal de contraluz delineando a textura e mostrando o ponto certo da preparação do prato. Mas não é só isso… É preciso contar também com muita sensibilidade de quem a clica para poder despertar nas pessoas um dos sete pecados capitais: a gula.
Para chegar a esse resultado, nada melhor do que seguir a receita do mestre Mauro Holanda. O expert ensina algumas diferenças para fotografar carnes vermelhas e brancas em conjunto com a produtora de gastronomia Tereza Galante, profissional que trabalha com Mauro há 20 anos.
Comida de verdade
Seja para produzir fotos para um editorial, cardápios ou até mesmo para publicidade, Mauro Holanda prefere atuar fora do estúdio, ao lado do chef, dentro do restaurante. Isso ocorre pelo fato de ter o prato preparado na hora. “A vantagem é que a comida passará um aspecto de nova e fresca”, ensina.
Atualmente, mesmo no mercado publicitário, a comida a ser fotografada não deve ser falsa (antigamente era recorrente o uso de mock-ups, imitações de alimentos feitos com resina, gesso ou papel machê). De qualquer forma, há alguns truques leves para “maquiar” o prato e dar um aspecto ainda mais apetitoso. É o caso de aplicar um pouco de azeite com pincel na carne pronta para realçar o brilho e hidratar as fibras. Mas é preciso ser moderado – brilho demais não fica nada realístico.
Outra vantagem de levar o estúdio para dentro da cozinha do cliente é a de o chef (ou no caso o cozinheiro) saber o ponto exato da carne fotogênica. Segundo a produtora Tereza Galante, se a carne estiver um pouco mais crua, por exemplo, pode sair na foto com um tom azulado muito comprometedor.
Já carne grelhada demais fica com aspecto tostado, o que também não é nada bom. O ponto ideal é um meio-termo. A dica é pedir sempre ao cozinheiro para preparar vários pedaços, que serão testados na hora da foto.
As carnes cruas também fazem parte do cardápio de quem fotografa alimentos. Um frigorífico pode contratar o fotógrafo para produzir o portfólio, e é necessário entender as diferenças técnicas dos cortes bovinos e suínos, entre outros. Normalmente, a carne crua é clicada em um set montado dentro de um ambiente resfriado (geralmente no próprio frigorífico). Ela não recebe maquiagem e deve ser clicada sob uma luz uniforme.
Peixes e aves
A fotografia de carnes brancas também tem lá seus truques. Se o prato pede pedaços de frango ou pato (coxas, asas), por exemplo, a carne precisa estar bem dourada por fora. A dica de Tereza é mergulhar os pedaços da ave em óleo bem quente, regulando o tom desejado pelo tempo na fritura.
“Aplicar pinceladas moderadas de uma mistura feita com um pouco de água e molho shoyo também ajudará a criar um belo tom nas aves. Faça um teste primeiro em uma área não comprometedora do pedaço”, indica a produtora.
No caso de peixes inteiros, há a questão da área em volta do prato. Como é preciso abrir mais o enquadramento para o peixe todo, é interessante preencher os espaços vazios ao redor com a produção certa. Peixes não devem ser fotografados crus (com exceção da culinária japonesa). Vale combinar antes com o chef para que asse sempre os menores da espécie escolhida para o prato. Se os olhos estourarem durante o cozimento, preencha o espaço com azeitonas em rodelas.
Cuidado com as postas. Elas devem ter o ponto certo de cozimento – o mesmo vale para o bacalhau. Não podem parecer crus nem cozidos demais, caso contrário, ficam com as lascas ressecadas. O atum fica bonito se fizer uma crosta com gergelim e passar na frigideira para criar um anel de tom rosado. Se for necessário tirar o ressecamento do peixe, a dica de Tereza é pincelar com moderação um pouco de azeite ou óleo de cozinha.
Ponto de vista
Em fotografia de gastronomia o fotógrafo trabalha em parceria com o chef, que precisa preparar de maneira coerente a comida para a foto. Quando se trata de um chef menos experiente, o fotógrafo deve orientá-lo para que monte o prato de uma maneira diferente da que costuma ser servido.
“A visão de quem come a comida é diferente da visão do visor óptico da câmera. Quem come tem um ponto de vista superior. Já a câmera ‘enxerga’ em planos”, explica Mauro. Para ele, quando o prato é fotografado frontalmente, lida-se melhor com os volumes da comida. Contudo, fotografar do ponto de vista superior, ao contrário do que muitos pensam, é bem mais difícil, pois o fotógrafo precisa contar com um prato muito bem montado pelo chef ou cozinheiro. Assim, os ingredientes precisam ser distribuídos de forma harmoniosa para ter-se um bom resultado.
Misture a isso uma boa contraluz para ressaltar o brilho e enfatizar a textura, dica que vale para qualquer ângulo. Porém, a receita da iluminação varia para cada tipo de carne. Carnes à milanesa, por exemplo, são sempre problemáticas. Por serem foscas, tanto pode-se recorrer a uma luz mais elaborada quanto a uma produção mais carregada para destacar o prato.
Clima da comida
Para Mauro Holanda, acima de qualquer truque de maquiagem ou iluminação, uma produção de gastronomia precisa estimular boas memórias nas pessoas. É necessário, por meio da imagem, transmitir a sensação de bem-estar, remetendo a algum ambiente, como a comida de casa, da mãe, da vovó ou a algo relacionado com as coisas mais simples e deliciosas da vida. “O prato pode ter sido fotografado dentro de uma cozinha industrial, porém o fotógrafo precisa sacar o clima da foto, situá-la em algum lugar e tempo”, comenta o expert. Os peixes e frutos do mar, por exemplo, remetem sempre a um clima praiano, portanto, uma luz quente, fundos de madeira clara e tecidos amarelos claros são as composições que mais combinam com esse tema.
Produções que envolvem frango, por sua vez, pedem uma atmosfera de roça, de fazenda. Combinam com uma luz mais suave, bases e fundos de madeira escura e rústica, tecidos de cores em tons vermelho ou verde.
Carnes vermelhas têm diversas vertentes, uma delas é o churrasco. É um aspecto que pede madeiras rústicas, produção que envolva folhas e tomates e luz mais dura. Mas também existe o lado da sofisticação da carne, aquela que vai bem em um belo prato branco, harmonizado com molhos refinados e uma luz mais suave.
Para Mauro Holanda, a carne pode não ser um tema muito atraente a visualmente. No entanto, se o fotógrafo investir no ambiente certo ao redor dela e na luz correta, a chance de sucesso é quase certeira. A experiência, habilidade e o estudo do tema também somam para a receita dar certo.