10-2016
Ensaio com a tribo Easy Rider
Fotógrafo brasileiro viaja a Dakota do Sul para registrar personagens do mais tradicional encontro de motociclistas dos EUA, o festival de Sturgis
Por Gabrielle Winandy
Tradição de 74 anos nos Estados Unidos, o festival Sturgis Motorcycle Rally, na cidade de Sturgis, Dakota do Sul, reúne centenas de milhares de motociclistas de várias partes do país e do mundo para comemorar um estilo de vida que remete ao filme “Easy Rider” (Sem Destino, 1969), estrelado por Peter Fonda, Dennis Hopper e Jack Nicholson. No encontro de Sturgis os visitantes podem assistir a corridas e shows de rock, conhecer e experimentar vários produtos em estandes e curtir muitas festas. Com a câmera na mão e olhar atento, o fotógrafo carioca Fábio Elias voltou seu foco para personagens vestidos a caráter, barbados e tatuados, acompanhados por mulheres igualmente underground, geralmente com pouca roupa e muita animação.
A ideia já vinha se formando desde os anos 1990, quando Elias fez uma série de fotos de motociclistas no também famoso festival de Daytona Beach, Flórida (EUA). Na época, procurou eventos que reunissem adoradores de motos e descobriu o de Sturgis, mas nunca conseguia achar tempo para ir a uma das edições seguintes.
Em 2014, a oportunidade surgiu quando planejava uma das expedições fotográficas que faz frequentemente – no caso, estava indo para Papua Nova-Guiné e o voo passava pelos Estados Unidos. Ele decidiu prolongar a conexão para conhecer a magia e a loucura de Sturgis, festival tem cerca 400 mil visitantes ao longo de sete dias de festa. Valeu a estada, por esse trabalho foi um dos dez finalistas do recente concurso Portfólio em Foco 2016, parte do festival de fotografia Paraty em Foco.
Momentos marcantes
O brasileiro chegou alguns dias antes de o encontro começar para poder se ambientar. Toda manhã saía cedo do hotel e estudava a direção da luz do sol ao longo do dia e quais eram os locais com a iluminação mais atraente quando o sol se punha. Visitou cidades próximas, conheceu e conversou com várias pessoas. “Depois de uns dois ou três dias, já sabia onde e o que queria fotografar”, conta. A primeira foto que fez foi a de um casal que encontrou, que estava “meio chapadão”. Perguntou se podia fazer a foto e eles foram muito receptivos – o homem até deu uma ajeitada na roupa da mulher para deixar a foto mais interessante. Esse foi o primeiro momento marcante da viagem. Em parte pela simpatia do casal, pois todos foram muito colaborativos com as fotos. “Quando você vê a cara deles, acha que são maus. Mas não é nada disso”, informa Elias.
Já durante o evento o brasileiro topou com um homem grandalhão, repleto de tatuagens e aspecto ameaçador, e no mesmo instante teve uma ideia para a foto: colocá-lo em frente a uma fila de motos. Foi falar com ele, mas estava temeroso de receber uma recusa de forma agressiva. E, para sua surpresa, o homem adorou a ideia e aceitou na hora. Saíram do bar em que estavam e foram até as motos. O mais difícil foi achar uma janela de tempo em que só o homem estivesse no enquadramento. “Esse foi o meu maior desafio: havia muita gente e pouco espaço físico”, lembra. A solução foi esperar o melhor momento e, quando ele chegou, o fotógrafo se abaixou e fez a imagem de baixo para cima, tática que usou em outras situações em que enfrentava o problema da superlotação de pessoas.
Fábio Elias também conseguiu algumas fotos por acaso. Ele conta que estava conversando com um senhor de cabelo bem comprido, preocupado porque, por mais interessante que fosse o personagem, não estava conseguindo chegar à imagem que queria. Finalmente pediu a ele que subisse na moto e se preparou para fazer o clique. Bem quando estava prestes a disparar, um outro senhor se aproximou e, sem aviso, abaixou as calças, mostrando a bunda para as lentes. A situação inesperada e descontraída rendeu o que ele considera uma das melhores fotos da viagem.
Para não ficar apenas na cidade lotada de motociclistas, ele também foi a um camping para fotografar uma mulher que conheceu nas ruas. Mas a situação não saiu como o planejado e as fotos não ficaram boas. Voltava para o hotel quando se deparou com um grupo de motociclistas indo embora da cidade. Um casal em cima de uma moto florida chamou-lhe a atenção. O homem foi logo dizendo:“A moto não é minha, só estou dirigindo para ela”. O fotógrafo descobriu que a mulher havia sofrido um acidente no começo do encontro (foi atropelada por um búfalo) e perdeu a moto, e o marido comprou outra para ela. Ele fez um retrato do casal contra o pôr do sol e, para ele, foi a foto mais bela da viagem a Sturgis.
Vintage
Fotógrafo experiente, Elias sabe como poucos usar a técnica do flash de preenchimento para retratar personagens. Para as fotos que fez durante o festival de Sturgis, ele levou três flashes profissionais da Canon, modelo Speedlite 600 EX RT, que usava na mão ou sobre dois tripés em conjunto com um transmissor Canon STE3 RT para o disparo remoto. Na Canon EOS 5 D Mark III ele alternou as objetivas Canon 17-40 mm f/4 e 24–105 mm f/4 e contou ainda com duas sombrinhas difusoras, um snoot e filtro ND (de densidade neutra).
Antes mesmo de ir a Sturgis, ele já planejava aplicar um efeito “vintage” às fotos. Para ele, a ideia combinava com a imagem que se tem de motociclistas em geral, e era um contraste direto ao outro trabalho que fizera, na década de 1990, em que as fotos eram em P&B, com bastante granulação. Dessa vez, queria fazer colorido, com brilho voltado para o dourado ou o prateado. Quando voltou para casa, fez o tratamento no Lightroom.
O trabalho que fez nos Estados Unidos faz parte de um projeto maior denominado “Tribos”, sendo definida assim a conglomeração de pessoas por motivos étnicos ou sociais com um interesse em comum. Já fez ensaios também na África e na Oceania. O próximo passo é registrar skatistas e patinadores.