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09-2016

A arte de criar um mundo mágico

Olhar Global   /  

Por Gabrielle Winandy

O artista tem a prerrogativa da criação. Pelo meio que escolhe, seja música, pintura ou qualquer uma das outras cinco artes, ele consegue inventar praticamente qualquer coisa. O fotógrafo, militante na oitava arte, nem sempre tem essa opção; na maioria das vezes, está limitado ao que já existe para mostrar o que ninguém percebeu ou valorizou. Não é o caso da sul-coreana Jee Young Lee, de 32 anos, que decidiu ser fotógrafa já pensando em não apenas registrar o que já existe, mas criar algo para ser registrado.

Jee Lee se formou em Design de Comunicação Visual, em 2007, e passou a usar outras formas de arte em busca de resultados diferentes na fotografia. Para inventar um mundo totalmente inédito, ela escolheu produzir cenários. A cada ideia que tem para um novo trabalho, limpa o estúdio (de cerca de 14 m²) e usa a pintura, a escultura e a instalação para formar a ideia que tem na cabeça em uma realidade 3D. Então, prepara a câmera e se posiciona (ou então contrata uma modelo) dentro do cenário criado por ela e faz o clique. O resultado é sempre surpreendente, e não há uso de Photoshop em suas criações.

O passo a passo da criação

Todos os componentes que estão no cenário – que demora de um a três meses para ficar pronto – são feitos por ela. O material usado é sempre algo que possa ser facilmente descartado, como isopor, garrafas pet, palitos e papelão ondulado. O motivo para tal simplicidade é que, quando já conseguiu as fotos que queria e percebe que foi bem-sucedida em exteriorizar algum sentimento específico, destrói o cenário e segue em frente. “É como uma terapia”, diz.

Jee Lee tem a inspiração para as fotos a partir de memórias da infância, do imaginário coletivo ou dos contos populares coreanos, que têm um significado emocional importante para ela. Um dos cenários que evoca fortemente sua infância é a obra Panic Room (Quarto do Pânico). Não somente a parte de brincar de esconde-esconde, que é possível de ver pela forma como a modelo está tentando se fechar dentro de um armário, como o sentimento de confusão e negação da realidade que uma criança pode sentir em relação ao mundo durante a fase de crescimento.

Outra foto cuja inspiração evocou da infância foi Reaching for the Stars (algo como Tentando alcançar as Estrelas). Jee Lee usou cerca de dois mil copos de plástico (que pintou de laranja) como tijolos, para formar paredes – uma brincadeira que a entretinha muito quando criança. E tem um duplo sentido: simboliza a esperança de alcançar as estrelas se a estrutura for construída com determinação e paciência.

Quando se trata de interpretar o imaginário coletivo, escolher uma foto que seja centrada nisso é mais difícil. Ela diz que sempre usa, de uma forma ou de outra, o imaginário coletivo para as suas criações. A que mais mostra isso explicitamente talvez seja a obra Birthday (Aniversário). Nela há uma pessoa saindo de um ovo formado com fios de nylon e lagartos gigantes zanzando livremente, um apelo claro ao começo de uma nova vida. O sentimento que Jee Lee quer transmitir com isso é a sensação de começar uma nova etapa, cheia de desafios – como no nascimento.

Inspiração no folclore coreano

Há várias fotos inspiradas em lendas e costumes da Coreia (hoje separada entre do Sul e do Norte). Uma delas é Resurrection (Ressurreição). O cenário foi inspirado no Conto de Shim Cheong, história do folclore coreano sobre uma menina que, para salvar o pai da cegueira, se vendeu para um grupo de marinheiros. Um dia ocorreu uma tempestade, e os marinheiros mandaram-na pular ao mar para se sacrificar (em tempos antigos, no mundo todo, acreditava-se que mulheres traziam má sorte para embarcações marinhas). A menina Shim Cheong foi parar dentro do palácio do Rei do Mar, que ficou com pena dela e a mandou de volta para a superfície dentro de uma flor de lótus, e a partir daí ocorreu uma série de eventos que a levaram à felicidade completa.

Para fazer as plantas e a própria flor de lótus que estão no cenário, Jee Lee usou um material muito comum: papel. Para criar a atmosfera mística, encheu o ambiente com fumaça gerada por gelo seco. A artista teve a ideia para fazer essa imagem porque na época passara por vários problemas que a fizeram sentir como se estivesse “chegando no fundo do mar”, mas conseguiu superá-los e subiu novamente à superfície – por isso o nome que implica um novo nascimento.

Outra imagem inspirada no país onde nasceu é Nightscape (expressão da língua inglesa que significa algo como “paisagem noturna”). Para essa imagem, ela precisou da ajuda de um amigo, que também é artista. Eles fizeram dezenas de leques (um elemento cultural muito comum na Coreia do Sul) e os pintaram. Como há a tradição oriental de desenhar elaboradas paisagens em leques, Jee Lee decidiu pintá-los com cores azuladas e usá-los para criar uma paisagem (meio que como um processo reverso). A obra também evoca o senso de natureza e procura formar um crescendo com cores mais fortes, como vermelho, para mostrar angústia interior – ou pelo menos era essa a intenção da artista.

Quando termina de fotografar um cenário, Jee Lee tem consigo quatro ou cinco negativos por vez, o que ela julga ser mais do que suficiente, já que só usa uma imagem para seu portfólio e para exposições. Ela fotografa com uma câmera médio formato Toyo 4×5 , com fole basculante, e usa filme 6×7 cm. Para ela, é importante que haja uma forte noção de realidade, e isso é obtido com a fotografia. “Sinto que as coisas que imagino só são percebidas como reais porque estão em uma foto, que por definição capta apenas o que existe”, explica.

O dinheiro que consegue com a venda das imagens é a sua única fonte de renda, o que não é uma surpresa, pois Jee Lee é bem popular na Coreia do Sul e considerada uma das artistas em ascensão com mais destaque no país. Ela atribui esse sucesso ao suposto poder de atração que as imagens que cria têm: “Faço as fotos pensando em momentos importantes da minha vida. A minha intenção é que, quando as pessoas olhem o resultado, evoquem lembranças impactantes de suas próprias vidas”, diz. Para ver mais do trabalho dela, acesse http://migre.me/osuam.

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