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10-2025

IMS Paulista tem grande exposição retrospectiva sobre a obra de Parks

Reconhecido como um grande nome mundial da fotografia, o americano Gordon Parks (1912-2006) ganhou uma grande exposição no Instituto Moreira Sales (IMS) Paulista, em São Paulo (SP): “A América Sou Eu”, que fica em cartaz até 1 de março de 2026. Com curadoria de Janaina Damaceno e Iliriana Fontoura Rodrigues e assistência de Maria Luiza Meneses, a exposição é a primeira retrospectiva de Parks no Brasil e a maior na América Latina.

O título da exposição foi tirado de um texto que Parks escreveu para a revista Life, em 1968, no qual aborda numa questão crucial para o movimento negro nos EUA: o fato da democracia americana ter se consolidado sob um regime de segregação racial, excluindo a população negra. O texto acompanhava uma série de fotografias nas quais Gordon registrava as condições precárias dos Fontenelle, família negra moradora do Harlem. Com suas próprias palavras, mas também ressoando as da família Fontenelle, elel afirma: “Entre nós dois há algo que vai além do sangue ou do preto e branco. Trata-se da nossa busca compartilhada por uma vida melhor, um mundo melhor. O solo sobre o qual protesto é o mesmo que você no passado protestou. As coisas pelas quais luto são as mesmas que você. As necessidades dos meus filhos são as mesmas que as dos seus. Eu, também, sou a América. A América sou eu. Ela me concedeu a única vida que tenho, então devo compartilhá-la em sua luta. Olhe para mim. Escute-me. Tente entender a minha luta contra o seu racismo. Ainda há uma chance para que consigamos viver em paz sob esses céus tão intempestivos.”

Tomando dois andares do centro cultural, a mostra reúne cerca de 200 imagens, feitas sobretudo entre as décadas de 1940 e 1970, além de filmes, periódicos, depoimentos e publicações, ressaltando o caráter multifacetado de Parks, que também como foi músico, cineasta e poeta. Entre as obras exibidas, estão retratos de nomes centrais do movimento negro americano, como Malcolm X, Martin Luther King e Muhammad Ali, e séries consagradas, como De volta a Fort Scott (1950) e Histórias da segregação no sul (1956).

Outro aspecto importante ressaltado na retrospectiva é a presença de Parks no Brasil: em 1961, o fotógrafo veio ao País pela Life para documentar a vida nas favelas cariocas. Ele acompanhou durante algumas semanas o cotidiano da família Da Silva, que migrou do Nordeste para o Rio de Janeiro e, em especial, de seu filho Flávio, que sofria de bronquite crônica. Em razão da reportagem, a família recebeu doações dos leitores da revista e comprou uma casa no subúrbio, e Flávio foi levado para os Estados Unidos para tratar de sua doença. O caso teve grande repercussão na imprensa brasileira, e a revista O Cruzeiro enviou o fotógrafo Henri Ballot para fazer uma reportagem sobre a pobreza no Harlem.

Além da matéria, Parks realizou também seu primeiro filme, Flavio (1964). Narrado em primeira pessoa, com a voz de um menino, o curta faz parte da história do cinema da diáspora negra, sendo um dos primeiros filmes dirigidos por um homem negro em solo brasileiro. Na exposição, são apresentadas ainda imagens inéditas de Parks no Brasil: crianças jogando bola na lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, e um culto evangélico. 

Parks publicou suas imagens pela primeira vez em 1938 no St. Paul Recorder, importante jornal da imprensa negra do estado de Minnesota. Posteriormente, mudou-se para Washington, onde trabalhou para a Farm Security Administration, por onde também passaram fotógrafos como Dorothea Lange, Walker Evans, Russell Lee, Marion Post Wolcott, John Vachon e Carl Mydans. Como primeiro fotógrafo negro da na revista Life a partir de 1948, sua carreira consolidou-se cada vez mais, com a publicação de livros e a participação em exposições, com foco no registro da vida da população negra americana e na denúncia ao racismo e à desigualdade, numa união entre arte e ativismo que caracterizou toda sua trajetória. Também atuou como cineasta, tendo lançado, entre outros longas, o filme Shaft (1971), considerado um dos mais relevantes do movimento conhecido na época como blaxploitation.

Por sua obra, tanto na fotografia quanto no cinema, recebeu diversas premiações e homenagens. Até hoje o trabalho de Parks influencia artistas das mais diversas áreas, como o rapper Kendrick Lamar, os fotógrafos Zanele Muholi e Devin Allen, e a cineasta Ava DuVernay.

Em cartaz até 1 de março de 2026, a mostra contará com uma ampla programação, além de um catálogo com imagens e textos da exposição. Ao visitar a retrospectiva, o público poderá mergulhar na obra e trajetória de Parks, marcada pelo compromisso político e pela cumplicidade com os fotografados, como pontua a curadoria: “A exposição é um reencontro com a história negra americana, mas também com um dos mais importantes fotógrafos do século XX, aquele que melhor documentou como a dignidade, o autocuidado e a beleza se tornaram formas de resistir a um sistema que desejava o aniquilamento de pessoas negras. Em sua obra, ele fala sobre subalternidade, sobre a estrutura racista americana, ao mesmo tempo que reforça narrativas de cumplicidade, de autoamor, de comunidade, de intimidade e confiança entre pessoas negras. Ele nos mostra nossas singularidades e a multiplicidade de nossas experiências como pessoas negras no mundo”

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