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07-2024

Fotografia perde o talento e a eficiência do mestre alemão Thomas Hoepker

O mundo da fotografia perdeu um grande mestre no dia 10 de julho: o alemão Thomas Hoepker, que morreu aos 88 anos em Santiago, no Chile, após uma longa batalha contra o Alzheimer. Hoepker esteve várias vezes no Brasil, mas uma das mais marcantes foi sua presença no Festival Internacional de Fotografia Paraty em Foco, de 2007, quando deu uma grande palestra e até participou da entrega de prêmios do extinto Concurso Leica-Fotografe que, naquele ano, teve sua premiação durante o evento.

O boxeador Cassius Clay, ante de virar Muhammad Ali, fotografado em Chicago, EUA, em 1966

Uma de suas imagens mais marcantes é “9/11 Williamsburg”, da série “New York”. O que faz a foto ser interessante é o fato de ela ser a documentação, por um viés bastante particular, dos ataques às torres gêmeas em Manhattan, Nova York, no dia 11 de setembro de 2001. A história sobre ela é simples: Hoepker morava do outro lado do Rio Hudson, no Brooklin. Ao tentar ir para Manhattan, não conseguia vencer os bloqueios e, no caminho alternativo, passando pelo píer de Williamsburg, viu a cena: um grupo de jovens conversando, enquanto ao fundo as torres gêmeas vertiam fumaça.

A imagem“9/11 Williamsburg”, que só foi publicada cinco anos depois dos ataques terroristas a Nova York

Hoepker publicou a imagem somente cinco anos depois, pois havia decidido inicialmente se conter em compartilhá-la por respeitar a solenidade do clima imediatamente após os ataques terroristas às torres gêmeas. A foto foi alvo de centenas de artigos, comentários, análises e críticas quando ele concordou com seu uso em um livro publicado em 2006 sobre imagens do 11 de setembro. A questão que mais provoca discussão é a que aponta a inércia dos americanos diante de um ataque de tal magnitude. Um comportamento alienado da juventude americana ou a incapacidade da comoção diante de um drama tão grande? “É interessante as diferentes leituras que se pode fazer a partir de uma única foto. Como ela pode ser entendida de maneiras tão díspares”, comentava Hoepker.

Casais namoram num parque de Nova Jersey em 1983 tendo as torres gêmeas do World Trade Center como fundo

Presenteado com uma câmera por seu avô quando menino, Thomas Hoepker começou a se interessar por fotografia aos 14 anos. Nascido em Munique em 1936, estudou História da Arte e Arqueologia na universidade local e trabalhou como fotógrafo para as revistas Münchner Illustrierte e Kristall entre 1960 e 1963. Seu trabalho na Kristall o levou a reportar do mundo todo. Uma das primeiras e principais histórias fotográficas de Hoepker para eles foi feita em uma viagem de carro pelos Estados Unidos, inspirada no livro The Americans, de suíço-americano Robert Frank.

Crianças brincando ao lado do Muro de Berlim, no lado ocidental da capital alemã, em imagem de 1963

Hoepker passou fazer parte da equipe da renomada revista Stern como fotojornalista em 1964 – mesmo ano em que a agência Magnum começou a distribuir seu trabalho. Também foi cinegrafista e produtor de documentários para a televisão alemã em 1972 e, a partir de 1974, fez uma parceria com sua segunda esposa, a jornalista Eva Windmoeller, primeiro na Alemanha Oriental e depois em Nova York, para onde se mudaram como correspondentes da Stern em 1976. Depois, entre 1978 e 1981, Hoepker foi diretor de fotografia da edição americana da revista alemã Geo.

Dois meninos anônimos fotografados em uma zona rural de Portugal em 1964

No final dos anos 1960, Elliott Erwitt o convidou para se tornar membro do coletivo da Magnum. Embora Hoepker fosse um admirador do trabalho de Erwitt, ele recusou, pois tinha compromissos com a Stern. Somente cerca de duas depois, em 1989, Hoepker finalmente deixaria Stern e se juntaria à Magnum, onde se tornaria presidente entre 2003 e 2006. Sobre a missão de administrar uma agência com colegas de profissão, ele disse: “Não é fácil, porque temos que lidar com grandes egos de grandes fotógrafos. Mas valeu a pena”.

O punho direito do campeão peso pesado Muhammad Ali em uma das imagens memoráveis feitas em 1966

Um de seus trabalhos mais lembrados é a série de imagens memoráveis com o mitológico boxeador Muhammad Ali em duas sessões extraordinárias em Londres e Chicago – o retrato do lutador pulando em cima de uma ponte no Rio Chicago se tornou icônico, mas foi o resultado de improvisação espontânea entre os dois, sem qualquer premeditação. Ele acompanhou Ali quando ele ainda se chamava Cassius Clay, antes de sua conversão ao islamismo, em reportagem para a revista Stern em 1966. Também fez elogiados retratos artistas celebrados como Andy Warhol e Roy Lichtenstein. Muitas de suas reportagens com imagens em cores revelaram a centenas de milhares de pessoas paisagens e cenários atraentes de países não tão conhecidos, como Japão e da China, por exemplo, entre muitos outros lugares ao redor do mundo.

Uma dupla exposição para retratar o artista Andy Warhol em sua “Factory”, na Union Square, em Nova York, em 1981

Com uma vida dedicada ao fotojornalismo, foi somente depois de se tornar um membro da Magnum que ele começou a reconhecer o papel do artista dentro da função de fotógrafo. “Existe mais espaço para interpretação da realidade pelo fotógrafo: estilo, olhar e estética… Tudo importa. Mesmo na Magnum, cada um tem que tomar sua própria decisão sobre até onde quer ir na apresentação da realidade através de seus próprios olhos.” O trabalho de Hoepker publicado em vários livros, entre os quais os aclamados DDR Ansichten – Views of a Vanished Country (2011), um retrato da Alemanha Oriental abrangendo mais de três décadas, e Return of the Maya (1999), uma investigação das vidas e crenças das comunidades maias na Guatemala.

Um açougueiro da Guatemala em imagem publicada no livro “Returno f the Maya”, de 1999

Em 2020, depois que Tomas Hoepker foi diagnosticado com Alzheimer, ele e sua terceira esposa, Cristhine Kruchen, decidiram fazer uma viagem de carro pelos EUA – seu lar nas últimas quatro décadas. Isso resultou no documentário Dear Memories, explorando sua vida e obra por meio de suas memórias, lançado nos cinemas em 2022. No mesmo ano, Hoepker publicou The Way It Was, justapondo as fotografias coloridas de sua viagem mais recente com as imagens originais em preto e branco do passado, levando o espectador a uma jornada tanto por seu senso mutável dos EUA quanto pelo tempo.

Thomas Hoepker retratado por Juan Esteves quando ele veio ao Brasil em 2007 para participar do Paraty em Foco

Durante a pandemia, Hoepker e Kruchen começaram a rever os primeiros arquivos de negativos P&B dele e a digitalizar o que encontraram. Uma de suas descobertas foi uma série de 10 mil negativos mostrando um estudo fotográfico da vida na Itália no final dos anos 1950 – feitos com a Leica MP que ele comprou aos 19 anos com os lucros das primeiras vendas de fotos. O livro de fotos Italia, com uma seleção dessas primeiras imagens, foi publicado em 2023 pela Buchkunst Berlin.

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