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09-2019

O nu artístico em uma época de poder feminino

Olhar Global   /  
A modelo Marcella posa em uma casa abandonada: composição caprichada para aproveitar a grande janela como moldura. Foto: Guilherme Lechat

A modelo Marcella posa em uma casa abandonada: composição caprichada para aproveitar a grande janela como moldura. Foto: Guilherme Lechat

Atualmente, muitas mulheres procuram fotógrafos para posarem nuas. Mais do que nunca, é preciso ser profissional e ético para fazer um bom trabalho

Por Guilherme Lechat, texto e fotos

É nítida a diferença de comportamento em relação ao nu artístico quando se compara a produção do início dos anos 1990 com o que se seguiu, logo após a metade daquela década, com a chegada da internet ao Brasil – encontrar modelos dispostas a posar nuas, naquela época, era bem mais raro. Outro fator importante é que o surgimento dos celulares com câmeras facilitou muito a produção de autorretratos. Se antes a câmera assustava e poucos se atreviam a fazer fotos mais elaboradas com equipamentos convencionais, a fotografia passou a estar ao alcance de todos.

Muito mais do que um exercício frívolo de vaidade, os selfies se tornaram ferramentas de educação visual direcionadas. Quando alguém se fotografa, aprende sobre si mesmo. Quais os melhores ângulos e as melhores poses. Nunca antes na história o ser humano foi dono da própria imagem. Geralmente era fotografado por outro, da maneira como terceiros o via. Pela primeira vez tinha a possibilidade de escolher com precisão como a própria imagem poderia ser exposta e vista.

A internet, por outro lado, facilitou o acesso à produção fotográfica do mundo. Duas décadas atrás era necessário esperar por revistas importadas, que chegavam com atraso às bancas, para saber o que estava sendo produzido nos grandes centros mundiais. As referências internacionais alteraram a forma de pensar a fotografia. Tudo mudou. Ninguém mais chega sem preparo ao primeiro ensaio fotográfico. Quem gosta de ser fotografado é alvo de centenas, talvez milhares, de imagens antes de posar, seriamente, para profissionais.

A chegada dos smartphones completou a integração. As pessoas podem, finalmente, produzir as próprias fotos e postá-las, instantaneamente, nas redes sociais. Selfies se transformaram em um fenômeno cultural, verdadeira epidemia. O que muitos não percebem é o impacto que essa transformação social teve sobre a produção fotográfica e sobre a maneira como se lida com a própria imagem.

Fotógrafo e modelo precisam estar em perfeita sintonia para que o ensaio tenha sucesso. Foto: Guilherme Lechat

Fotógrafo e modelo precisam estar em perfeita sintonia para que o ensaio tenha sucesso. Foto: Guilherme Lechat

Poder feminino
Hoje em dia, as redes sociais estão repletas de imagens de nus. Na maioria das vezes, não são obras de arte. Entretanto, a disseminação do nu provocou uma alteração na forma como as pessoas se relacionam com o fato de alguém estar nu. Questionamentos surgiram e provocaram mais alterações. Quem pode posar? O que significa ser modelo? Os padrões são válidos? Quem decide o que é ou não belo? Se alguém pode, por que eu não? Essas foram perguntas que motivaram uma quantidade enorme de pessoas a se aventurar pelo mundo do nu artístico.

E, numa era de empoderamento feminino, muitas mulheres jovens recorrem à fotografia como forma de expressão pessoal. É um jeito de dizer ao mundo o que pensam e sentem. A autoafirmação é um dos objetivos. Porém, mais do que isso, é um ato de libertação. Se elas são ou não belas, aos seus próprios olhos, já nem interessa tanto. A questão é que querem ser vistas, podem ser vistas e irão, definitivamente, se mostrar ao público.

Nesse fenômeno de retroalimentação, quem posa e se expõe estimula mais e mais gente a posar. O efeito multiplicador entra em ação. A tal ponto que, hoje em dia, é comum mulheres jovens convencerem as próprias mães a posar nuas. O inverso também ocorre e com frequência ainda maior.

A modelo Aline em um barranco: o corpo não mostra nada a mais, apenas a beleza feminina. Foto: Guilherme Lechat

A modelo Aline em um barranco: o corpo não mostra nada a mais, apenas a beleza feminina. Foto: Guilherme Lechat

Nu e fine art
A fotografia de nu fine art se caracteriza pela suavidade, pelas poses elegantes, pelo tratamento refinado do tema. É algo sutil, delicado e belo. A ideia não é o confronto ou o questionamento. Não é uma modalidade adequada ao ativismo político, por exemplo. Ainda assim, beneficiou-se grandemente pela explosão de oferta de potenciais modelos.

O nu fine art geralmente explora belas paisagens como pano de fundo. Não é uma regra. Mas é nítida a predominância dos ambientes naturais nessa modalidade fotográfica. E quem andaria, por horas a fio, nua em campo aberto? Fazer um nu na segurança e no conforto de um estúdio, com toda a privacidade, é uma coisa. Posar nua em espaços abertos, ou até mesmo em público, é outra história.

Assim, o cenário estava pronto para o que se seguiu. Uma verdadeira profusão de trabalhos de nu artístico, nos mais diversos estilos. É claro que houve muitos exageros e que o bom gosto nem sempre está presente nas imagens. Houve mesmo uma banalização do nu.

Contudo, o aprendizado para ambos, tanto modelos quanto fotógrafos, é muito mais rápido e consistente. Proporcionalmente, é claro, a qualidade caiu. Há muito mais fotos ruins do que imagens elaboradas circulando pela internet. Mas, nesse oceano que é a web, é possível encontrar excelentes trabalhos como fonte de referência a custo zero. Tanto modelos quanto fotógrafos podem se expressar de maneira muito mais eficiente. E a fotografia, como ferramenta de educação visual, segue alterando a sociedade por meio da transformação da maneira pela qual se vê e se vivencia o mundo.

A luz que entra com linhas e sombra é um clássico: aqui, com a modelo Cláudia. Foto: Guilherme Lechat

A luz que entra com linhas e sombra é um clássico: aqui, com a modelo Cláudia. Foto: Guilherme Lechat

A questão ética
Com a profusão de ensaios de nu infelizmente também aumentou o número de acusações de assédio. O relacionamento entre quem posa e quem fotografa sempre foi uma questão fundamental para o sucesso de um ensaio. O que dizer e como se portar durante uma sessão de nu artístico é algo a ser analisado com todo o cuidado. O profissionalismo deve estar acima de tudo.

É aconselhável, mais seguro e muito mais profissional e ético que modelo e fotógrafo não estejam a sós durante o ensaio. Uma terceira pessoa pode ajudar, e muito, na produção, trazendo confiança à modelo e eliminando possíveis dúvidas quanto ao que se desenrolou durante o trabalho.

As pessoas fantasiam muito e algumas fantasias acabam, infelizmente, se materializando. O fato é que nem todos podem ser profissionais de nu artístico. Quem não entende os limites alheios nem os respeita não pode ser considerado profissional. Isso vale para fotógrafos homens ou mulheres. Tanto faz. Hoje somos todos iguais. E o que vale para homens deve valer também para mulheres.

Por que seria ético, por exemplo, uma mulher poder acompanhar a modelo enquanto se despe em um vestiário e um homem não? Não existe também a possibilidade de assédio entre mulheres ou de mulheres para homens? Todos devem se comportar dentro dos limites profissionais. Não é possível permitir que haja a mínima suspeita sobre a ética de quem trabalha com seriedade. Para isso, regras simples devem ser seguidas: jamais fotografe alguém quando estiverem a sós, tenha sempre ajudantes e escolha locais seguros e discretos para os ensaios ao ar livre.

É claro que sempre existem exceções. Fotografei Raquel, minha mulher, muitas vezes, sozinho. E não haveria motivos para que fosse diferente. Os resultados dos ensaios que fizemos juntos, eu e ela, foram publicados, inclusive aqui, na Fotografe.

Na gruta, a modelo Gabriella faz uma pose pouco convencional, mas que funciona. Foto: Guilherme Lechat

Na gruta, a modelo Gabriella faz uma pose pouco convencional, mas que funciona. Foto: Guilherme Lechat

A sensualidade insinuada da modelo Lara. Foto: Guilherme Lechat

A sensualidade insinuada da modelo Lara. Foto: Guilherme Lechat

Na fenda do barranco, a modelo Erica empresta sua beleza para o olhar do fotógrafo, que extrai ouro da luz natural. Foto: Guilherme Lechat

Na fenda do barranco, a modelo Erica empresta sua beleza para o olhar do fotógrafo, que extrai ouro da luz natural. Foto: Guilherme Lechat

A modelo Sílvia à margem do riacho: confiança no fotógrafo facilita o trabalho. Foto: Guilherme Lechat

A modelo Sílvia à margem do riacho: confiança no fotógrafo facilita o trabalho. Foto: Guilherme Lechat

O experiente e talentoso Guilherme Lechat: nunca fotografa uma modelo sozinho

O experiente e talentoso Guilherme Lechat: nunca fotografa uma modelo sozinho

Matéria publicada originalmente em Fotografe Melhor 264 

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