02
10-2017

O mundo desconhecido dos flocos de neve

Os cristais de neve medem a partir de 1 milímetro de diâmetro e não vão além disso

Os cristais de neve medem a partir de 1 milímetro de diâmetro e não vão além disso

A falta de equipamentos profissionais, como lentes macros ou uma DSLR, não foi uma barreira para que o russo Alexey Kljatov alcançasse o objetivo de fotografar microscópicos flocos de neve. Com apenas uma câmera compacta simples, uma lente de 58 mm e alguns materiais simples — uma régua de madeira e fita adesiva —, ele fez uma bem planejada gambiarra, contornando as próprias limitações e conseguindo obter imagens belíssimas.

Alexey fotografa como hobby pois, profissionalmente, ele trabalha em um laboratório de química em uma escola em Moscou, a capital russa, cidade em que nasceu e vive. Alguns anos atrás, ao vasculhar a rede social Flickr, viu o trabalho de alguns fotógrafos sobre flocos de neve e começou a se interessar pelo assunto. Sua maior referência foi o estudo do norte-americano Wilson Bentley (1865-1931), um dos pioneiros no tema, que fazia imagens com equipamentos precários comparados aos de hoje.

Alexey Kljatov ensina que não existem dois flocos de neve iguais e os desenhos são bastante variados

Alexey Kljatov ensina que não existem dois flocos de neve iguais e os desenhos são bastante variados

Alexey também tinha limitações: à sua disposição só havia uma câmera compacta Canon Powershot A650. Ele fez testes para usar o equipamento no modo macro, mas a única forma que encontrou para ter uma imagem com foco era registrar o floco em ângulo aberto e depois, com o auxílio do Photoshop, ampliar a foto até que o cristal ficasse visível. O resultado eram imagens em extrema baixa resolução. Funcionava para a internet, mas não para a impressão. Até que teve uma ideia para potencializar a captura de imagens.

Gambiarra

“Decidi criar um equipamento improvisado para melhorar a qualidade óptica da minha câmera, que só tem 12 MP”, conta Alexey. O material usado foi uma lente Helios 44 M-5 de 58 mm f/2.0 antiga que guardara da época das câmeras analógicas, uma tábua de madeira de cerca de 30 cm de comprimento e a Canon Powershot. Na madeira, ele prendeu a Helios invertida (o lado de encaixe da lente voltado para fora da tábua). Dessa forma, transformou a 58 mm em uma macro. Depois, encaixou a compacta com o zoom óptico ativado na capacidade máxima e a anexou à tábua com um parafuso atarraxado no encaixe para o tripé, prendendo firmemente o equipamento.

Entre o espaço da lente Helios e o da Canon, Alexey fez uma espécie de túnel (para bloquear a luz) de plástico preto, e cobriu a gambiarra com fita adesiva transparente para deixar a estrutura firme. A engenhoca ajudou a aumentar a potência da lente da compacta possibilitando ao fotógrafo fazer macrofotografia.

Aqui a engenhoca criada por ele com uma câmera compacta sobre uma manta de lã; quase não dá para ver os flocos de neve diante da lente

Aqui a engenhoca criada por ele com uma câmera compacta sobre uma manta de lã; quase não dá para ver os flocos de neve diante da lente

Claro e escuro

Com o equipamento pronto, Alexey registra flocos de neve em dois tipos de fundo: escuro ou claro. No caso das fotos de fundo escuro, ele posiciona um banco alto na varanda de casa, cobre-o com uma malha de lã cinza escura e espera que alguns flocos caiam sobre o tecido. A lã é o material de preferência porque tem algumas vantagens: o floco demora mais para derreter, não se amontoa com outros que caem e não voa com o vento.

Assim que retira a malha com alguns flocos da varanda, ele ajeita a gambiarra em um ângulo de cerca de 45º, usando como apoio, na parte traseira, um tripé maleável de mesa. Sem qualquer aparato de luz, usa a iluminação natural que entra pela janela. Para maior nitidez, o russo seleciona a opção de foco central para que a câmera se baseie na imagem que está no centro e não em toda a composição. Então, faz as imagens, que resultam em flocos de neve brancos com fundos escuros. Às vezes, se o cristal não está em uma posição boa para ser fotografado, Alexey o ajusta com um palito de dente.

Um floco de neve registrado sobre a manta de lã escura com a lente posicionada em ângulo de 45 graus

Um floco de neve registrado sobre a manta de lã escura com a lente posicionada em ângulo de 45 graus

No caso das fotos com fundo claro, a tática muda um pouco. Virando o banco de madeira – antes usado para acomodar a malha – com as pernas para cima, Alexey usa o móvel para sustentar uma superfície de vidro. Quando um floco cai, ele coloca a gambiarra com a câmera em cima do floco, em uma posição de 90º. E, abaixo do vidro, posiciona uma luz de LED (coberto com um saco plástico para atenuar a intensidade do brilho) em posição diagonal, e não diretamente voltada para o floco. Essa luz confere volume à imagem do cristal de neve.

Aqui, o floco de neve foi fotografado sobre um superfície de vidro e com a lente em ângulo de 90 graus; abaixo do vidro, uma luz de led ajuda a dar volume ao floco

Aqui, o floco de neve foi fotografado sobre um superfície de vidro e com a lente em ângulo de 90 graus; abaixo do vidro, uma luz de led ajuda a dar volume ao floco

Tanto no caso do fundo claro como no do escuro, o russo programa o disparo automático da câmera para que não precise usar as mãos. Para cada floco, o fotógrafo faz de oito a dez para imagens, que depois serão sobrepostas em um software de tratamento. “Faço isso para reduzir o ruído das imagens, o que revela mais detalhes e nuances que não seriam percebidos em uma única foto”, afirma Alexey.

A pós-produção demora alguns dias para ser feito porque, além da sobreposição das composições, o russo usa o Photoshop para ajustar contrastes, remover mais ruídos, limpar sujeiras e trabalhar um pouco na coloração para que fiquem mais azuladas – pois a imagem original é cinza e “nem um pouco atraente”, segundo Alexey.

O russo faz várias imagens do mesmo floco e as sobrepõe no Photoshop; outro trabalho de pós-produção é diminuir o ruído digital

O russo faz várias imagens do mesmo floco e as sobrepõe no Photoshop; outro trabalho de pós-produção é diminuir o ruído digital

A simetria e perfeição dos flocos minúsculos – que podem medir a partir de um milímetro de diâmetro – impressionam o espectador, tenha ele conhecimento científico da neve ou não. Alexey já tem milhares de imagens – algumas delas publicadas em seu Flickr –, mas ainda não pensa em fazer um livro porque, embora a qualidade das fotos tenha aumentado com a gambiarra, ainda não é suficiente para ampliá-las em uma página inteira. Com a criatividade do russo, porém, provavelmente esse é apenas mais um obstáculo a ser superado.

Fotos: Alexey Kljatov

A casos, como este, em que Alexey Kljatov consegue registrar com perfeição dois flocos na mesma composição

A casos, como este, em que Alexey Kljatov consegue registrar com perfeição dois flocos na mesma composição

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