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09-2019

Nos passos de Gandhi

Olhar Global   /  
Cena registrada por Érico Hiller durante a caminhada de 400 km na Índia

Cena registrada por Érico Hiller durante a caminhada de 400 km na Índia

Para fazer o livro A Marcha do Sal, Érico Hiller percorreu 400 km a pé na Índia ao refazer a jornada do líder pacifista em 1930

Por Juan Esteves

Se, como se diz, a fé move montanhas, a busca pelo incomum mobiliza os fotógrafos. Muitos deles bons documentaristas cujas imagens são fruto do engajamento humano. A Marcha do Sal (Vento Leste, 2018), livro do paulistano Érico Hiller, tem essas características, mas está bem distante do exotismo clássico e afastado do olhar maneirista. Dá prosseguimento aos seus manifestos constantes para a preservação da sociedade e a transformação para um meio ambiente mais sadio.

Na investigação imagética diante do esfacelamento do planeta, Hiller uniu conceitos filosóficos agregados ao documental. Em novembro de 2017 empreendeu uma caminhada de 400 quilômetros, uma espécie de peregrinação, refazendo passos do pacifista indiano Mahatma Gandhi (1869-1948) no seu protesto contra os britânicos em 1930 – uma ação contra o monopólio do sal pelos colonizadores que impedia o povo indiano de produzir sua própria lavra.

Dizem os editores que representa um projeto documental baseado em experiências pessoais, que conjugam curiosidade jornalística e uma “subjetividade assumida” que o autor vem produzindo há 10 anos. Frutos desses percursos são as publicações A Jornada do Rinoceronte (M’arte, 2016), Ameaçados – Lugares em risco no século 21 (Edição do Autor, 2012) e Emergentes (Edição do Autor, 2008), manifestos que conduzem uma forte estética autoral sem panfletagem.

A Marcha do Sal trouxe também um lado performático, sucedendo em publicações nas redes sociais como uma espécie de diário. A narrativa pessoal constava do livro sobre os rinocerontes, mas as propostas de diferentes mídias consecutivas, adotadas há tempos por publicações como a National Geographic, aqui se manifestam em imagens de Hiller em ação e textos em que expressa anseios como: “Após um dia inteiro sem fotos, eu me sentia aprisionado nos limites da casualidade. A minha única preocupação era achar um hotel para esticar as pernas” – escreveu em 8 agosto de 2017 no Instagram.

Na marcha de Ahmedabad até Dandi, como fez Gandhi, Hiller fotografou o povo indiano mais humilde, velhos e crianças, que ele chama de “paisagem humana”

Na marcha de Ahmedabad até Dandi, como fez Gandhi, Hiller fotografou o povo indiano mais humilde, velhos e crianças, que ele chama de “paisagem humana”

Nas redes sociais
“Não são testemunhos factuais, mas interpretativos, expressivos. Correta ou não, minha perspectiva fica visível neles”, explica Érico Hiller. Em sua marcha, ele partiu de Ahmedabad, cidade à beira do Rio Sabarmati e uma das mais populosas da Índia, como fez Gandhi, até chegar a Dandi, no Oceano Índico. Caminhando, o percurso levou um mês, passando por conhecidos cenários do fato anterior, entrevistando descendentes dos participantes e testemunhas. Segundo os editores, o fotógrafo “deixou-se impregnar pela paisagem humana do caminho e pelo sentido do pensamento de Gandhi, cujos escritos estudou por anos”.

Na jornada do dia 26 de outubro de 2017 Hiller relata, por meio de um vídeo no Instagram, “um presente incalculável” ao chegar a um vilarejo que Gandhi passou no segundo dia de sua marcha: “Fomos recebidos como reis. As pessoas pararam o que estavam fazendo e vinham nos ver, pedir para tirar fotos, e recebemos todo tipo de amor e carinho que viajantes sinceros podem ganhar.” Nesse post, o fotógrafo também conta que não viajava sozinho nessa aventura, mas acompanhado da canadense Virginia, “uma amiga que é um verdadeiro anjo para mim”.

Hiller caminhou sem planos, parando em pequenos hotéis ou pedindo pouso quando era preciso e, “eventualmente, dormindo ao relento, sob as estrelas”. A ideia era colocar-se no encalço das ideias e dos feitos do líder pacifista. Seguindo a máxima gandhiana do “menos é mais” em meio a românticas narrativas: “Eu procurava caminhar com o mínimo de peso possível; meu equipamento se resumia à minúscula câmera sem espelho que trazia pendurada. Usei poucas lentes; uma ia no equipamento, a outra ia em uma bolsa que trazia na lateral do corpo. Fui, literalmente, deixando peso e excessos pelo caminho, absorvendo toda a concussão moral e física que uma longa caminhada nos impõe”.

Érico Hiller procurou fazer um contraponto entre mais de 70 imagens (a maioria em páginas duplas) e breves “textos reflexivos” mostrando a paisagem, a rica cultura, o povo, inclusive expondo a “condição subalterna da mulher”, os “intocáveis excluídos pelo hinduísmo” e as “mazelas do país”. As imagens são muito próximas das já publicadas há 10 anos, em seu primeiro livro, Emergentes.

Em uma espécie de paradoxo às publicações nas redes sociais, os editores do livro escrevem que Gandhi “ilumina as ideias de Hiller sobre o que é a fotografia autoral e qual o papel que ela pode representar em um mundo saturado de imagens”. Sentimental, ele diz: “A fotografia não se encerra apenas no que vemos. Mais importante ainda, mostra o que sentimos, aspiramos e descobrimos. Fotografar é um ato de doação e humildade”.

Foto: Érico Hiller

Foto: Érico Hiller

Foto: Érico Hiller

Foto: Érico Hiller

Foto: Érico Hiller

Foto: Érico Hiller

Imagem da marcha original empreendida por Mahatma Gandhi em 1930

Imagem da marcha original empreendida por Mahatma Gandhi em 1930

Matéria publicada originalmente em Fotografe Melhor 265 

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