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04-2019

As misteriosas engrenagens de Machina Mundi

O Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro (RJ), faz parte do livro Machina Mundi, de Claudio Edinger

O Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro (RJ), faz parte do livro Machina Mundi, de Claudio Edinger

Por Mário Fittipaldi

Por muito tempo, Claudio Edinger ajustou o tilt-shift de sua câmera grande formato com os pés e o tripé bem firmes no chão. A dificuldade em encontrar filmes e quem os revelasse, entre outros fatores, o fez migrar, em 2012, para as câmeras digitais. Além da quebra de paradigmas, a mudança permitiu voos mais altos: a bordo de helicópteros e até mesmo por meio de drones, o fotógrafo passou a registrar o mundo de cima, produzindo fotos aéreas que seriam impensáveis com a grande formato e que só se materializam graças ao olhar diferenciado com que vê o mundo.

Edinger diz que há anos persegue esse olhar do pássaro, o distanciamento que, nas palavras dele, torna as imagens muito mais objetivas e, ao mesmo tempo, mais abstratas. “O mundo ganha outra dimensão, sob o ponto de vista da eternidade, que casa com a minha busca espiritual de mais de 40 anos de dedicação ao ioga e à meditação”, filosofa. “A foto aérea é sempre muito difícil de fazer, ainda mais de lugares fotografados a exaustão como São Paulo e Rio de Janeiro. A maior dificuldade não é técnica, e sim estética. É preciso procurar transcendência na imagem, sempre, mostrar o que não dá para ver, encontrar o eterno no efêmero”, completa.

O resultado desse novo trabalho é o projeto Machina Mundi, que já rendeu sessões de fotografias aéreas no Rio de Janeiro, em São Paulo e até fora do Brasil: em Lisboa, Portugal; na região italiana da Toscana; e na Índia. E recentemente virou livro, Machina Mundi – As Engrenagens do Mundo, publicado no final de 2017 pela editora carioca Bazar do Tempo.

O avião decolando em São Paulo (SP) é a foto favorita de Claudio Edinger

O avião decolando em São Paulo (SP) é a foto favorita de Claudio Edinger

Transição gradual

Edinger conta que sua transição para as câmeras digitais foi um processo que demorou alguns anos. Em 2007, com a chegada do primeiro iPhone, começou a fazer pré-polaroids com a câmera digital do celular. “Eu fazia a imagem digital e, depois, fazia um polaroid físico com a 4 x 5. Algumas imagens saíam melhores com a câmera do celular então fui me convencendo de que chegaria a hora de parar com todo o esforço de carregar o peso da grande formato em favor da agilidade e qualidade cada vez mais superior das digitais”, justifica.

Para ele, não houve dificuldade de adaptação, pois a câmera de grande formato ensina a fotografar de fato. “Cada imagem com ela leva bastante tempo para ser feita. Tem de montar a câmera, acertar o foco, o enquadramento, colocar o polaroid, depois o filme… Você aprende a pré-visualizar, a fazer a foto sem a câmera. Quando pega a digital, o hábito está formado e o trabalho continua com a mesma força que tinha com a 4 x 5 polegadas”, conclui.

Assim, a partir de 2012, migrou de vez para o formato digital. Hoje usa uma Canon EOS 5D ­Mark IV. Em 2017, passou a voar também com drones. “Eles são demais. No livro, quatro das 49 imagens foram feitas com eles”, entusiasma–se, para em seguida ressalvar que o helicóptero é muito mais prático, efetivo e menos arriscado: “Acho a cena que interessa e peço para o piloto ficar dando voltas para fazer a foto. Já com o drone… Bom, já perdi um nas águas do Rio Tapajós, outro em Miami e um terceiro em Los Angeles…”, lamenta.

Outro fator importante que motivou a adoção das câmeras digitais é que, segundo Edinger, os softwares para criar o foco seletivo que conseguia com o tilt-shift da grande formato – e que deram identidade a seu trabalho – foram ficando cada vez melhores. “Quando, depois de 25 anos fotografando, cheguei ao foco seletivo, em 2000, soube que havia chegado em casa, ao meu lugar”, conta, acrescentando que a técnica lida com uma visão ambígua de como se enxerga o mundo. “Somos seres contraditórios, mergulhados na dualidade de um mundo em que noite e dia, ódio e amor, sabedoria e ignorância, luz e sombra convivem o tempo todo”, analisa. “O filósofo Francis Bacon dizia que a função do artista é aprofundar o mistério. É isso o que procuro fazer”, declara.

Edinger afirma que não há limites para o trabalho com foco seletivo. “É a linha do horizonte, quanto mais você anda em direção a ela, mais distante ela fica”, compara. E, bem-humorado, desafia quem lhe pergunta se ainda continua fazendo tudo desfocado. Primeiro, avisa que não é verdade, já que faz parte focado, parte desfocado. Em seguida, pergunta de volta: “E você, continua fazendo tudo em foco?”. A surpresa do interlocutor é a deixa para reafirmar que pretende continuar: “Quanto mais abro portas, mais aparecem outras”, diz.

A Marginal Pinheiros, em São Paulo, faz contraste com outras imagens clicadas por Edinger

A Marginal Pinheiros, em São Paulo, faz contraste com outras imagens clicadas por Edinger

Primeiras engrenagens

A ideia do projeto Machina Mundi surgiu em 2015, quando Edinger alugou um helicóptero para fotografar o estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, para um casal de amigos, patrocinadores de seu livro O Paradoxo do Olhar (Editora Madalena, São Paulo, 2014). “Estava com a minha mulher, a fotógrafa Betina Samaia, e vimos um dia espetacular, uma luz linda de primavera e uma névoa espessa de fumaça, pois havia um incêndio em Laranjeiras”, recorda-se.

Não parou mais. Do Rio de Janeiro, passou a fotografar em São Paulo e, daí, para o mundo. Sobrevoou Lisboa e a bela região da Toscana – “Portugal é a gênese do Brasil, assim como também é a Itália, a Alemanha, a Espanha, a França e a Inglaterra. Além da África” – e também a Índia, país com o qual tem forte ligação espiritual e cultural. “Já fiz sete viagens para lá e espero fazer muitas mais”. Costuma dizer que o fotógrafo é o novo descobridor de mundos. “A Terra é infinita para todos os lados. Acha que é exagero? Então pega um microscópio ou um telescópio. Dentro do nosso mundo existem infinitos outros. Minha pesquisa pelo mundo está só começando”, anima-se
.
Uma seleção de 49 imagens do Rio e de São Paulo acabou no livro Machina Mundi – As Engrenagens do Mundo. “Resolvi mostrar imagens das duas cidades principais da minha vida: o lugar onde nasci, o Rio, e a cidade onde moro, São Paulo”, explica Edinger, acrescentando que adora projetos comparativos. “Ao comparar as duas cidades, o projeto enriquece pelos contrastes, pela beleza intoxicante de uma e a intensidade da outra”, comenta.

O livro traz também textos do historiador Mauricio Lissovsky e do filósofo Guilherme Ghisoni. “É sempre bom ter uma visão de fora, e o Mauricio é inteligentíssimo e muito culto. Já o Ghisoni é meu amigo e um fenômeno. Além de grande filósofo e pensador da fotografia, ele é um superartista e fotógrafo, com uma obra que ainda não foi devidamente descoberta e apreciada”, assegura.

Edinger destaca como a foto favorita da série selecionada para o livro a de um avião decolando com a cidade de SP no fundo, feita na décima viagem de helicóptero por São Paulo. Conta que saiu bem cedo rumo a Pirapora do Bom Jesus, no interior de São Paulo, para fotografar um ponto onde se formam espumas gigantes no Rio Tietê devido ao excesso de detergente. Quando chegou lá, as nuvens cobriam totalmente o local. “Perdi a viagem”, pensou. Foi quando o piloto sugeriu voltar e sobrevoar a Ponte Estaiada. “Hesitei, pois já havia feito a ponte de todos os ângulos possíveis. Mas acabei concordando. Ao sobrevoar a cidade, havia uma névoa linda, diferente de tudo que havia visto antes. Naquele dia fomos inesperadamente abençoados com diversas imagens que estão no livro”, comemora Edinger.

O fotógrafo de 65 anos de idade avisa que o projeto Machina Mundi ainda vai longe. “Procuro me aprofundar em um assunto, e sei que, quanto mais passo pesquisando uma forma de fotografar um lugar, melhor saem as imagens”, informa. Inquieto, trabalha em vários outros projetos simultaneamente. Ele vem fotografando a Índia há cerca de 30 anos, por exemplo. “Ainda não sei o que fazer com esse material, mas vai acabar virando livro também”, diz.

A Baía de Guanabara, no Rio: para Edinger, névoa é metáfora para o mistério

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